Pensata

Eliane Cantanhêde

25/09/2008

Defesa do Consumidor

da Folha Online

Pense bem. Você contratou uma empresa de grande porte, pegou empréstimo na Caixa Econômica Federal e construiu sua casa. Um ano depois, o terreno cede, uma parte da fundação desaba, materiais se deterioram precocemente. O que você faz? Fica furioso (a) e reclama seus direitos. Se não corrigem os erros e não te indenizarem, você chuta o pau da barraca.

É mais ou menos isso, nas devidas proporções, que o presidente do Equador, Rafael Correa, está fazendo, depois que a usina de San Francisco, a segunda maior do país, bem no centro do seu território, entrou em pane meses depois de ter sido entregue pela construtora brasileira Norberto Odebrecht. Um túnel desabou parcialmente e as rodas de água das turbinas sofreram prematuro e inexplicável desgaste.

Com a operação parada desde junho, para prejuízo dos equatorianos, Correa cansou de tentar negociar com a empresa e chutou o pau da barraca: determinou sequestro de bens da companhia, militarização dos canteiros de obra e a proibição de que quatro funcionários, todos eles brasileiros, saiam do país.

Uma decisão a la Evo Morales, o presidente da Bolívia, que botou o Exército nas refinarias da Petrobras no país e expulsou o empresário Eike Batista e seus negócios em solo boliviano.

O Brasil reagiu e continua reagindo com complacência, com um discurso basicamente ideológico: afinal, a Bolívia, coitadinha, e o Equador, coitadinho, são países pequenos, pobres e sempre explorados por vizinhos e parceiros mais poderosos e ricos. Além do mais, os aliados Morales e Correa têm dificuldades internas e usam uma "boa briga" com o Brasil para se fortalecerem politicamente.

O caso, portanto, tem um ângulo político, do uso e abuso que Correa está fazendo dessa crise, mas tem também um ângulo objetivo: a empresa que construiu a obra tem responsabilidade pelos defeitos e desgastes prematuros de material.

Se quer negociar com justiça, o governo brasileiro vai ter de conversar tanto com Correa, para que ele baixe a guarda, quanto com a Odebrecht, para honrar seus compromissos contratuais ou morais com o país vizinho.

Lula, Correa e Morales vão se encontrar na próxima terça-feira, 30/09, em Manaus, com um personagem extra nessa história, e que personagem! Sim, Hugo Chávez, da Venezuela, mentor tanto do equatoriano e do boliviano e símbolo dessa neo-esquerda "bolivariana" e "anti-imperialista" do continente. A reunião deve dar o que falar.

Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Foi colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.

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