Pensata

Eliane Cantanhêde

05/11/2008

Obama: além de tudo, sortudo

George W. Bush foi um dos presidentes mais populares dos EUA, com índices de aprovação que chegaram a bater em 90% depois do 11 de setembro, mas sai da Casa Branca pela porta dos fundos, com uma crise financeira internacional sem precedentes, com as contas dos EUA de pernas para o ar e com a biografia para sempre manchada por ter invadido o Iraque em cima de uma mentira --a das armas químicas, afinal inexistentes-- e passando por cima da ONU. Quantos soldados americanos pagaram e quanto a economia do país pagou por isso?

Barack Obama, o senador negro, nascido no Havaí, filho de queniano, é um salto histórico enorme. Um salto de qualidade, pela simbologia, pela concretização de uma mudança profunda que é política, social e cultural. Mas é também um salto no escuro. Aos 47 anos, é bastante jovem para o desafio, jamais ocupou cargos executivos de ponta e era um desconhecido não apenas no mundo, mas dentro do próprio EUA, até sair da cadeira de senador e bater a então imbatível Hillary Clinton nas primárias do Partido Democrata.

Para fazer um bom governo, um governo tão extraordinário quanto sua eleição, Obama conta com fatores objetivos e subjetivos. O mais objetivo de todos é a força política: ele venceu com uma margem expressiva e surpreendente de votos, contrariando as sempre apertadas eleições americanas (vide a do próprio Bush...), vai unir um democrata na Casa Branca com uma sólida maioria democrata no Congresso, contrariando a tradição, e chega ao poder da maior, ou única, potência, com uma simpatia internacional poucas vezes vista.

Além disso, Obama se beneficiou do "timing" da crise: ela se alastrou pelo mundo e foi aguda durante a campanha, mas está ficando sob controle e tende a amenizar por gravidade no início do seu governo. Ou seja: a crise de certa forma prejudicou as pretensões do republicano John McCain, correligionário de Bush, e favoreceu Obama, que é democrata e baseou o discurso na "mudança", na capacidade de tirar o país do atoleiro. E ele, ao assumir em 20 de janeiro de 2009, já deverá encontrar um ambiente econômico muito mais sereno, ou pelo menos muito menos assustador. E poderá capitalizar indiretamente o clima do "pior já passou".

Seu desafio será recolocar as contas públicas, o balanço de pagamentos e os indicadores macro-econômicos americanos no lugar. Mas sem o desespero da crise de setembro e outubro. Não será fácil, e o risco de frustração realmente existe, mas é possível e bem provável que a situação no início do seu governo esteja muito melhor do que no fim do mandato Bush. O primeiro passo é acertar na equipe, com os homens e mulheres certos nos lugares certos.

Tudo somado, temos que Barack Hussein Obama, além de todos os predicados concretos, tem também aquele que é fundamental: sorte. A expectativa é que assuma justamente quando o pior da crise já tiver passado, prontinho para fazer o que é preciso fazer e colher no final os louros.

Se a fase aguda da crise parece estar passando, isso vale também para o Brasil, onde Lula mantém seus 80% de popularidade, os indicadores da indústria ainda não acusaram o golpe e tudo indica que, entre mortos e feridos, a campanha de Dilma Rousseff em 2010 vai muito bem, obrigada.

Lá nos EUA, como aqui no Brasil, Obama e Lula têm muitas coisas em comum. Uma delas é essa: sorte, uma incomensurável sorte. Ótimo. Que isso reflita positivamente para os EUA, para o Brasil e principalmente para o mundo.

Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Foi colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.

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