Pensata

Eliane Cantanhêde

15/01/2009

"Não tenho medo da morte"

Peço licença a você para reproduzir aqui a entrevista com o vice-presidente José Alencar que a Folha publicou no último domingo, 11/01/2009, por dois motivos: a dimensão do entrevistado, sobretudo pessoal, e a lição que nós todos podemos tirar da sua luta contra o câncer:

O vice-presidente José Alencar, 77, é um sujeito rico, otimista, bem casado, com família feliz. Desses que enchem o peito para dizer que têm uma saúde de ferro e nunca fazem exames. Até que, um dia, a casa cai.

"O grande problema do câncer é que não tem sintoma, e o diagnóstico precoce é absolutamente fundamental", diz ele, 11 anos e 12 operações depois de tirar os primeiros carcinomas. Três delas coincidiram com campanhas eleitorais.

A casa caiu em 1997, quando Alencar tinha 66 anos. Um sobrinho, médico, tanto insistiu que ele foi fazer um check-up em Belo Horizonte. Resultado: uma pequena "imagem tumoral" no rim direito.

"Eu nunca tive nada, não tinha dor nenhuma, nunca tinha feito um check-up na vida. Descobri por acaso. Foi Deus."

E o susto? "Sou muito prático. Recebi a notícia com naturalidade e perguntei: 'Então, o que vamos fazer?'".

Dois dias depois, estava em São Paulo, para refazer os exames e se preparar para a cirurgia com o urologista Miguel Srougi, do Hospital Sírio-Libanês. Na ressonância magnética abdominal, feita por uma médica, Alencar lhe perguntou se abrangia tudo, inclusive o estômago. Não, a ressonância não alcançava as "vísceras ocas". Para estômago, tinha de ser uma endoscopia.

"Eu jamais teria ido ao médico para me queixar de rim e lá estava um tumor. E o estômago? Às vezes, eu tinha uma azia à noite, reclamava, e a Mariza [sua mulher] dizia: "Você bebe, come muito...". "Enfermeira pela Escola Ana Néri, no Rio de Janeiro, ela tirou primeiro lugar e foi oradora de turma, mas não exerce a profissão."

Na reunião com Srougi para definir a cirurgia, presentes o filho, Josué, um irmão e um cunhado, Alencar exigiu fazer uma endoscopia antes. Ninguém entendeu. "O médico me deu uma bronca, e os três riram." Mas ele bateu pé firme.

Santa teimosia. Além do tumor no rim, havia outro no estômago. No mesmo corte, Srougi tirou o primeiro, e o gastroenterologista Raul Cutait, o segundo. Alencar deixou o hospital sem os dois carcinomas, sem um rim e sem três quartos do estômago, mas sem precisar de quimio nem radioterapia. "Saí curado."

Foi intuição? "Sempre recomendo às pessoas para seguirem sua intuição, mas não foi isso, não. Foi porque sou mineiro, mineiro da Zona da Mata e de uma região montanhosa. Atrás de morro tem morro, tem de ir lá conferir."

Seis meses depois, com "uns 20 quilos a menos", lá estava ele sacolejando em carrocerias de caminhões e voando de lá para cá de avião, em plena campanha para o Senado pelo PMDB de Minas. Uma eleição difícil, mas Alencar venceu.

Próstata

Em 2000, a família decidiu comemorar em grande estilo os 50 anos de atividade empresarial do patriarca e convidou o presidente do PT, o então deputado José Dirceu, e o presidente de honra, Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2001, veio o convite para Alencar ser vice. Em 2002, começou a campanha. E a casa caiu novamente.

O check-up semestral, lá por fevereiro ou março, deu a notícia: câncer de próstata. "Não foi brincadeira", disse ele, rindo. "Tem de rir, vai fazer o quê?". Ele ameaçou retirar a candidatura, mas Lula nem quis ouvir. Nova cirurgia e, de novo, nada de quimio nem de radioterapia e nova campanha vitoriosa na sequência. Lula e Alencar foram empossados em 2003.

No ano seguinte, o vice tirou a vesícula, mas não era câncer. Depois, colocou um "stent" para desobstruir uma artéria do coração e, lá pelas tantas, operou uma hérnia.

Em 2006, em plena campanha da reeleição, mais um check-up e outra má notícia: "Um tumor suprapartidário... Quer dizer, um tumor retroperitonial". Tudo ficou bem pior: "Os outros eram carcinomas, mas esse era um sarcoma, que é recorrente. Você tira, e ele volta. Um tumor muito difícil".

A cirurgia foi em 18 de julho, a dois meses e meio da eleição, e ele foi direto do hospital para a inauguração do comitê do candidato do PT ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante: "O corte era brutal, e os médicos foram até o carro para me impedir. Eu fui assim mesmo!"

Mal tirou os pontos, dez dias depois da cirurgia, Alencar já entrou em campanha. Os médicos proibiram terminantemente que repetisse a história dos caminhões, porque eles trepidam muito. Ele deu um jeitinho: ia na boleia.

Lula-Alencar ganharam no segundo turno, em 29 de outubro, e o vice já amanheceu no hospital no dia seguinte, para exames. E... "lá estava o bicho recorrente!". Não no mesmo local, mas na mesma região.

Quimioterapia

A nova cirurgia foi feita no Memorial Hospital, em Nova York, com um especialista em sarcoma, Murray Brennan, com uma novidade: radioterapia intraoperatória, com o corte aberto. E começaram as terríveis quimioterapias.

"O grande problema do câncer são justamente os efeitos colaterais da quimio. Eles não são brincadeira. Isso precisa evoluir muito ainda", diz.

Mesmo assim, o "bicho" voltou menos de um ano depois. Brennan veio direto de Dubai a São Paulo para mais uma cirurgia, em 30 de outubro de 2007. Como pagamento, pediu uma camisa da seleção brasileira de futebol, assinada pelos craques, para um neto de oito anos na Nova Zelândia. Ganhou não só a camiseta, mas o uniforme completo e a bola.

"Mas a velocidade do sarcoma é uma coisa fantástica", diz Alencar, que fez tratamento de radiofrequência, passou por várias sessões de quimio e está experimentando uma nova combinação de remédios.

Daqui a dois dias, ele terá uma resposta crucial: se essa tentativa será capaz de reduzir os dois novos tumores já detectáveis e, portanto, inibir os ainda muito pequenos e não perceptíveis. Disso, depende a continuação do tratamento. Aliás, depende tudo.

"Eu não tenho medo da morte. Entreguei a Deus", diz. E ensina a quem passar pelo mesmo fio da navalha: "Sem desespero. Tem de encarar de frente e nunca desmobilizar".

Foram duas conversas com a Folha, uma na terça-feira passada, no gabinete do anexo do Planalto, e a outra na quinta, no Palácio do Jaburu, residência oficial da Vice. Concluídas as fotos, Alencar pediu ao garçom uma cachaça Maria da Cruz, um dos orgulhos da família, e tomou um bom trago com gosto. "D. Mariza não vai brigar com o sr.?", perguntou-lhe a repórter. "Não. Os médicos só proibiram bebida que faz mal. Essa aqui só faz bem!"

PS - Alencar realizou os exames na segunda e na terça. O novo coquetel de quimio não está sendo eficaz contra o sarcoma.

Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Foi colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.

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