Pensata

Eliane Cantanhêde

06/01/2010

Jobim, o grosso

Certa tarde, há alguns anos, dois carros andavam em sentido contrário numa estrada poeirenta, derraparam numa curva ao mesmo tempo e bateram de frente no meio da pista. Os dois motoristas, que quase não se machucaram, gritavam um com o outro, ameaçando trocar socos e sabe-se lá mais o quê. Uma amiga minha, dessas duronas, saiu enfezada de um terceiro carro, deu uma bronca num motorista, deu uma bronca no outro e mandou todo mundo pra casa. Cada um que arcasse com o seu prejuízo. Resolvida a questão, ela entrou no seu carro e foi-se embora.

Toda vez que vejo o ministro Nelson Jobim (Defesa) metido numa confusão no governo, me lembro dessa história. Jobim é como aquela minha amiga durona: não quer saber de lero-lero, quer saber de solução.

Tem caos aéreo e ninguém se entende? Ele vai lá, troca todo mundo e a coisa anda. Tarso Genro dá uma das suas e os milicos ficam em pé de guerra? Jobim vai lá, dá um tranco e todo mundo se aquieta. A área econômica ameaça cortar o aumento dos soldos, e oficiais de todas as Forças se arrepiam? Jobim acerta tudo com Lula e pacifica a turma.

Supremo e Abin se estranham por causa de inquéritos do pode-tudo? Jobim vai lá, alerta Lula e a coisa esfria. Lula e Amorim se precipitam e anunciam a vitória dos franceses num processo de seleção ainda em curso? Lá vai Jobim acalmar os brigadeiros e os concorrentes. Como? Dando o dito pelo não dito, reescrevendo o que estava escrito. Assim, curto e grosso.

Metade do governo torce o nariz para o ministro da Defesa, que não é do PT, não é da turma, não fica maquinando nem arranjando fantasmas e inimigos onde não há. Mas, para Lula, Jobim é uma mão na roda. Enquanto Lula é daqueles que gostam de negociar e de empurrar com a barriga, Jobim é o oposto: não tem medo, gosta de decidir tudo logo, rápido.

Foi assim que ele entrou no governo, aliás. O caos aéreo corria solto já havia um ano, com pilotos estressados, controladores fora de controle, as empresas aéreas pintando e bordando, multidões de usuários jogados durante horas nos aeroportos, uma situação obviamente de risco. E Lula fingia que não era com ele. Jobim entrou e botou ordem na bagunça. Trocou a Anac inteira, mudou a direção e botou pra fora as dezenas de apadrinhados da Infraero, respaldou a hierarquia da Aeronáutica e deu um basta nas companhias aéreas. Cadê o caos aéreo? Evaporou.

Ele também capitaneou a Estratégia Nacional de Defesa, elaborou a nova lei da Defesa que está no Congresso, assumiu os riscos do negócio bilionário com a França para a compra e construção de submarinos convencionais, submarinos de propulsão nuclear e helicópteros e retomou o programa FX, de renovação da frota da FAB.

O problema é que Lula é voluntarista de um jeito, Jobim é de outro --turrão, mandão. E isso está muito claro neste momento, quando a FAB --que é quem entende do riscado-- faz um trabalho super-detalhado, de 30 mil páginas, sobre o melhor pacote dos caças supersônicos para o Brasil e o presidente e o ministro resistem a ver, ler, considerar. Em vez de resolver, desta vez Jobim corre o risco de atrapalhar.

Gostem ou não gostem, até aqui Lula deve muito mais a Jobim do que ele a Lula. Por isso, o ministro não tem o direito de errar justamente agora. Seria como atravessar o Atlântico inteiro a nado para morrer na praia.

Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Foi colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.

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