Pensata

Eliane Cantanhêde

14/05/2010

Direitos Humanos de uns e de outros

O presidente Lula não titubeou ao pegar a tesoura e cortar todas as polêmicas do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, o 3º PNDH. Ele sabia com quem estava mexendo.

O plano havia desagradado, e os cortes agora agradam, a um bom leque de setores: Forças Armadas, Igreja Católica, agronegócio, associações de mídia e os ministérios da Defesa e da Agricultura.

Se é assim, tudo indica que o mesmo plano, lançado em dezembro, havia agradado, e os cortes agora desagradam, a um bom leque de outros setores: os grupos anti-tortura e pró-Direitos Humanos, os movimentos feministas, o MST e seus congêneres.

Há uma profunda diferença entre esses dois blocos. O primeiro, que acabou vencendo a guerra e dobrando o governo, é mais articulado, mais independente em relação a Lula e tem um enorme peso. O segundo, o dos derrotados, também é articulado, mas, se era independente e muito crítico dos governos anteriores, se tornou simbioticamente aliado a Lula.

Então, o nosso presidente certamente pensou: por que desagradar quem preciso atrair para agradar quem está comigo de qualquer jeito, incondicionalmente? Pensou certo.

A reação contra a versão original do 3º PNDH foi virulenta, mas a reação contra o resultado final tem sido pífia, desmilinguida. A turma derrotada engoliu e digeriu bem as mudanças. Curioso? Nem tanto.

A versão final do plano recua:

1) na defesa do aborto, na retirada de símbolos religiosos de órgãos públicos;

2) na investigação de tortura na ditadura militar (até a referência à data, de 1964 a 1985, foi retirada);

3) no veto ao uso de nomes de presidentes-generais em ruas e praças públicas;

4) na identificação de prédios (como quartéis e outras instalações militares) onde houve tortura;

5) na criação de um "ranking" para definir as TVs e rádios que são boas ou não, com previsão de penalidades, desde multas até cassação de concessão;

6) nas mudanças em duas áreas de disputa entre os sem-terra e o agronegócio: mediação de conflitos e reintegração de posse na área rural. Ficou para o Congresso decidir. Se, e quando, sabe-se lá...

O governo diz que, entre o ideal e o possível, optou pelo possível. Mas bem poderia reconhecer que, entre os mais poderosos e os mais amigos, ficou com os mais poderosos. Bem naquela velha base de "quem pode pode"...

Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Foi colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.

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