Pensata

Fernando Canzian

24/09/2007

"Doença brasileira?"

A Fundação Getulio Vargas promoveu na semana passada o 4º Fórum de Economia, coordenado pelo economista e ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira. Foram debates de altíssimo nível. No centro das discussões, uma preocupação recorrente entre economistas e empresários em tempos de expansão e real valorizado: os riscos da chamada desindustrialização --ou "doença holandesa".

A expressão "doença holandesa" surgiu no início dos anos 80, quando as fortes receitas de exportação de gás da Holanda valorizaram o florim, a então moeda local, derrubando as exportações dos demais produtos por falta de competitividade.

Alguns economistas acreditam que o Brasil venha passando por processo semelhante. Os preços valorizados das commodities básicas (grãos, metais, carne etc.) estariam compensando a queda das exportações nacionais de produtos industriais mais sofisticados.

Com o tempo, o risco é o Brasil, por falta de competitividade e ganhos, ir sucateando e abandonando a parcela de maior valor agregado de sua industria, que é também a que paga melhores salários.

Em tempo: na segunda-feira, uma ampla reportagem do jornal "Valor Econômico" mostrou que vários setores industriais vêm substituindo o mercado externo (de exportação) pelo interno, que está bastante aquecido. Algumas dessas companhias, no entanto, vêm diminuindo a qualidade dos produtos que fabricam para entrar com mais força entre os consumidores das classes D e E.

Em tempo 2: dados divulgados há duas semanas mostraram que, no segundo trimestre de 2007, o maior destaque do PIB foi a indústria, que cresceu 6,8%. A de transformação, mais sofisticada, liderou a alta, com evolução de 7,2%. Isso daria um sinal um tanto contraditório à tese da desindustrialização.

Durante o fórum da FGV, Bresser-Pereira disse acreditar que o governo Lula esteja praticando "populismo cambial" para segurar a inflação por meio do real valorizado, o que faz os preços de importados ficarem mais baratos. Com os juros ainda elevados atraindo dólares ao país e altos saldos comerciais sustentados pela commodities, o economista prevê um aprofundamento da "desindustrialização" em setores de maior valor agregado.

Dados do IBGE de fato mostram que ao longo dos últimos anos setores mais sofisticados da indústria perderam participação relativa no valor agregado do setor industrial, tanto internamente quanto nas exportações.

Já a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) apresentou estudo mostrando que a participação relativa do Brasil em relação ao PIB industrial de nove emergentes caiu de 15,1% para 11,8% entre 1990 e 2005. Os dados comprovariam que a desindustrialização relativa do Brasil é maior.

Mostrando as experiências de outros países, o economista André Rebelo, da Fiesp, afirmou que é normal a indústria perder terreno para outros setores, como os serviços, quando o PIB per capita atinge patamares superiores a US$ 11 mil/ano. "No Brasil, o processo começou precocemente, com o PIB per capita por volta de US$ 3.500", disse.

Uma voz discordante no debate foi a do economista José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário Política Econômica no governo FHC (de 1995 a 1998). Segundo ele, setores básicos como óleo, gás, minérios, grãos, carne e leite, entre outros, já representam 25% do PIB brasileiro. Na sua opinião, esses não são setores tão básicos como se poderia imaginar, já que têm agregado valor constantemente ao longo dos últimos anos.

Em um país que pratica metas de inflação e tem o câmbio livre, é muito difícil perseguir outro patamar para o dólar, diferente do estipulado pelo mercado (Bresser julga que deveria ser algo próximo de R$ 2,80, e não dos R$ 1,90 atuais). Medidas diferentes, consideradas por alguns "heterodoxas", teriam de ser adotadas para desvalorizar o real.

O assunto é interessante e complexo, além de ser fundamental para o país pensar a respeito do tipo de indústria, emprego e desenvolvimento que pretende ter no futuro.

Mas o fato é que ainda parecem existir muitos sinais trocados em relação ao tema. Especialmente neste momento, quando o mercado de consumo interno começa a ganhar novo fôlego, seja pela recuperação relativa da renda quanto pelo aumento do crédito.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

FolhaShop

Digite produto
ou marca