Pensata

Fernando Canzian

03/12/2007

Chávez, Lula, democracia e tucanos

A derrota do presidente Hugo Chávez no plebiscito da Venezuela domingo e a pesquisa Datafolha que mostra ampla rejeição a um terceiro mandato para Lula são marcos na democracia latino-americana.

Os venezuelanos rejeitaram por uma margem mínima, de 0,7 ponto percentual, a reeleição imediata de Chávez sem novos limites de candidaturas. Entre os brasileiros, 65% não querem um terceiro mandato para Lula. É inacreditável, porém, que esse tipo de assunto ainda esteja em discussão por essas bandas.

Com todos seus defeitos e incongruências, o grande mérito da democracia mais sólida do Continente, a norte-americana, é ter estabilidade e continuidade das regras. Há décadas é previsível o que vai acontecer no país a cada quatro anos, o que dá uma enorme segurança para agentes políticos e econômicos tomarem decisões de longo prazo.

O mérito na América do Sul é do povo, que vai se acostumando às eleições. Assim como em economias que vão amadurecendo rapidamente, como a brasileira, a possibilidade de mudanças de percurso ao longo do caminho vai se tornando cada vez mais insuportável para quem depende de regras estáveis.

Na Venezuela, Chávez tentou o golpe e se deu mal. Vai pensar duas vezes antes de propor algo diferente daqui em diante. A não ser que tente, via fraude, algo heterodoxo para se manter no poder. Se o fizer, dará lenha para a fogueira dos críticos que o acusam de caudilho. E enterrará o discurso de alguns "moderados" que ainda defendem as estrepolias com regras que deveriam ser tão sólidas quanto as que sustentam a moeda de um país.

Já no Brasil, o Datafolha de domingo é um "cala boca" em uma oposição vazia e desconcertada pelo recentes bons resultados na economia. Vão ter que inventar outra.

Tucanos ruins de bico

A propósito do discurso vazio da oposição, que ainda se preocupa, quase 20 anos depois, se Lula é "melhor educado" ou "mais bem educado", está faltando criatividade ao PSDB para usar o que tem de melhor no discurso contra o governo.

O partido, que tem Serra como favorito à sucessão de Lula em 2010, ainda não conseguiu embalar para presente a tese, real, de que foi o governo FHC (apesar do populismo cambial e da falta de rigor com as contas públicas) quem instituiu as bases para um Brasil de economia moderna.

O Plano Real é dos tucanos, assim como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a privatização de bancos estaduais corruptos e sorvedouros de dinheiro, as privatizações que fizeram tão bem ao país, a criação
das agências reguladoras e uma série de outras modernizações do Estado brasileiro.

A propósito, um bom resumo disso tudo está no trabalho "Dezessete Anos de Política Fiscal no Brasil: 1991-2007", do economista Fabio Giambiagi --não por acaso expurgado pelo governo Lula do Ipea.

O que se percebe hoje é que Lula teve uma sorte imensa no cenário internacional para usar essas bases a seu favor. E a sensibilidade (que os tucanos não têm) para priorizar os pobres via programas sociais, Previdência e fortes aumentos do salário mínimo. Tem sido também muito mais rigoroso com o equilíbrio das contas públicas do que foi FHC.

O Datafolha de domingo mostra altíssima aprovação a Lula (50% o acham ótimo ou bom). Mas, em todos os cenários em que o tucano Serra aparece, é o favorito. O melhor resultado da pesquisa para um petista não passa de 1 dígito.

De novo, certo está o povo.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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