Pensata

Fernando Canzian

31/12/2007

O que quer o serviço público?

Os últimos dez anos no Brasil foram marcados por profundas diferenças entre os setores público e privado. É água e azeite.

Entre as empresas e no mercado de trabalho privado, houve um massacre. Só agora em 2007 é que o rendimento médio mensal dos trabalhadores formais e informais voltou ao patamar do meio da década passada: cerca de R$ 1.100.

Ao longo daqueles anos, quem ganhava melhores salários foi demitido. A vaga fechou ou foi oferecida a alguém por um salário menor. As empresas descapitalizadas desapareceram junto com os empregos que geravam.

De dois anos para cá, a economia embicou para cima, mas com nova pressão sobre o setor privado. O real valorizado encareceu em dólares os produtos brasileiros e tirou o couro dos exportadores e de quem teve de competir com a enxurrada dos importados.

Para sobreviver, as empresas se mexeram. Aumentaram fortemente a produtividade e enxugaram custos. Nesses dez anos, muitas morreram estranguladas pelo aumento de dez pontos na carga tributária (34% do PIB hoje). Mas a maioria sobreviveu e comemorou em 2007 os melhores balanços da história.

Já no setor público, a década de aperto foi um passeio para quem estava protegido no intramuros da estabilidade no emprego e do orçamento frouxo.

No Poder Judiciário, o gasto com salários nos últimos dez anos subiu quase seis vezes mais do que a média do funcionalismo federal. Os tribunais e suas extensões também empregaram 28% mais gente.

No Legislativo (o glorioso Congresso), a despesa com salários aumentou duas vezes mais do que a média do funcionalismo, e 45% mais pessoas foram empregadas. Já o Executivo, o mais "contido", empregou 5,5% mais funcionários.

A média salarial dos ocupados no Brasil hoje é pouco superior a R$ 1.100.

Já entre os funcionários públicos do Legislativo, ela é superior a R$ 9.700 para os ativos; no Judiciário, R$ 10.300; no Ministério Público, R$ 12.000. No Executivo (que emprega mais gente) o salário médio é superior a R$ 4.400 entre os servidores civis.

Note: todos esses valores contra apenas R$ 1.100, média do rendimento de todos os brasileiros.

A coluna da semana passada, O Brasil que não vai para frente sobre o setor público, despertou muitas reações. Algumas reiterando as críticas, outras apontando ilhas de eficiência pelo Brasil. E de funcionários públicos (algumas manifestações estão publicadas ao final com as autorias omitidas).

O ponto fundamental, no entanto, é pensarmos de forma panorâmica: que não existe no Brasil hoje um efetivo controle dessa grande empresa chamada Estado. Todos somos acionistas, financiadores e clientes à espera de um bom serviço, que não é entregue.

Qual a razão, senão a falta de metas, punições e prêmios e, acima de tudo, de responsáveis?

Não se trata de reforma política, de mudar a Constituição e acabar com a establidade, nada estrutural. É uma questão de organização e planejamento, além de um pouco mais de vergonha na cara.

Fernando Canzian/Folha Imagem
Túnel próximo à av. Paulista, em São Paulo, foi reformado e pintado, mas toda a sujeira do trabalho ficou no local
Túnel próximo à avenida Paulista, em São Paulo, foi reformado e pintado, mas toda a sujeira do trabalho ficou no local

Vejamos a foto ao lado: trata-se de um túnel recém-pintado que dá acesso à av. Doutor Arnaldo, sentido Sumaré, em São Paulo. Para quem não conhece, é próximo à av. Paulista, numa região bastante nobre da cidade. Circulam milhares de automóveis diariamente no local.

É certo que nós contribuintes pagamos pela reforma recente do túnel. Ou com seus próprios meios ou terceirizando o trabalho, a Prefeitura de São Paulo bancou a obra.

Há mais de dez dias a situação no local é essa da foto. A equipe que fez o trabalho primeiro raspou a tinta remanescente. Depois, usou algum cimento para tapar imperfeições, e finalmente pintou o local.

Ops!, e a limpeza? É inacreditável que após esse trabalho todo e quase duas semanas depois ainda exista no local um mar de lascas de pintura velha, sujeira e, o mais assustador, até as embalagens do cimento e as latas de tinta usadas no trabalho. Os infelizes não levaram nem isso!

O serviço não incluía a limpeza? Ninguém foi ver como ficou? Quem é o responsável direto pela cena dessa foto? É ou não é uma grande porcaria?

Muito melhor remunerado e protegido do que a imensa maioria, o setor público hoje DEVE ao país. Precisa deixar de ser o grande empecilho em que se transformou.

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Seguem abaixo algumas manifestações de leitores sobre o texto "O Brasil que não vai para frente":

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Eu, por exemplo, fui assaltado as 16:00h em uma cidade de 100.000 habitantes e tive muito mais gastos, tempo perdido e dor de cabeça com as segundas-vias dos meus documentos do que com o assaltante!
Além disso eu fui multado e tive o carro apreendido por estar sem a carteira de habilitação (que foi roubada, MAS eu estava com o Boletim de Ocorrência em mãos).
Resumindo: A população assaltada rende muito lucro para o governo, portanto não compensa diminuir os assaltos!

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Só estou escrevendo para dizer que fico indignada sempre que eu preciso de um desses órgãos. Juro, o sentimento que tenho quando acontece algo do tipo é horrível. É uma impotência imensa não? Daí você tem de se estressar, gritar, ser chamada de louca e desequilibrada só porque quer consertar o que está errado.Mas daí você percebe que não há o que fazer, tenta dialogar calmamente com pessoas que não estão nem aí e pronto, no dia seguinte encontra uma mesma situação. É desanimador morar aqui. Sempre penso se existe uma solução para esse tipo de problema...

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Em relação à sua experiência com obtenção de documento em órgão público, na maioria das vezes a população passa pela mesma experiência que você passou.
Mas, felizmente existem situações que destoam do geral, fato que mostra que é possível sim, no Brasil, a gente ter bom serviço público: um exemplo é a agência do INSS de Maringá, aqui no Paraná.
É incrível, mas precisei de um documento (Certidão de Tempo de Contribuição), efetuei agendamento via Internet, e na data agendada fui prontamente atendido!
Passado alguns dias, tive a oportunidade de ler em um Jornal de Maringá, que pessoas de outras cidades estão vindo prá cá requerer aposentadoria aqui na Agência do INSS, pois ela tem mostrado grande eficiência. Portanto, embora seja obrigação deles, os funcionários merecem parabéns!

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Saiba que este constrangimento que o sr. passou não representa um décimo da carga de constrangimento que o grosso da população passa todo santo dia, enfrentando as filas das instituições públicas deste pais. Por favor, continue denunciando estes fatos, talvez alguém tenha vergonha na cara. Embora vivamos em um pais cheio de palhaços e incompetentes (a maioria no setor publico), talvez haja esperança.

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Embora não tenha qualquer motivo especial para defender o serviço público, aqui em Brasília fui surpreendido pelos avanços promovidos no Detran. No último mês, precisei obter uma segunda via do CRLV, referente a 2007, que havia perdido. Eu tinha duas multas pendentes, ainda de 2006, para pagar... Supunha que isso complicaria tudo: pegaria uma fila para obter apenas os boletos dos débitos, teria que depois pegar outra fila numa agência do Banco de Brasília (há uma dentro do Detran-DF), depois voltaria para primeira fila com os comprovantes de pagamento devidamente autenticados para então obter o documento - talvez na semana seguinte. Nada disso: na primeira fila obtive os boletos de pagamento, que foram feitos ali mesmo, via cartão de débito automático! Saí com o CVRL pegando apenas uma fila, em cerca de 30 minutos.
Moral da história: o serviço público é um problema de gestão, não do setor em si. Em tempo: não sou (e não quero ser) servidor público.

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Sobre a matéria, penso ser bem preconceituosa. Trata-se de uma situação típica de pessoa que não conhece o expediente forense e não se consultou com um advogado antes de ir ao fórum. O serviço público só será bom e eficiente se houver maiores investimentos em qualificação do servidor, e não o contrário, como a matéria quer fazer parecer. Se o nobre jornalista conhecesse melhor a situação da administração pública, sobretudo a federal, saberia que neste setor trabalham profissionais de alta qualificação, principalmente aqueles recrutados nos últimos anos, quando o ingresso no serviço público tornou-se algo de grande dificuldade.
Posso elencar inúmeros serviços privados que são péssimos - telefonia fixa e móvel, bancos, estacionamento de shoppings, bares horríveis, companhias aéreas, concessionárias de carros, mídia tendenciosa, e nem por isso os jornais dizem que eles irão afundar o Brasil.

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Muito oportuno seu artigo, expressou muito bem um sentimento de todo brasileiro que preza a eficiência e que torce para o país se desenvolver. O setor público é um dos principais (se não o principal) fator de "represamento" desse desenvolvimento. E a culpa também é nossa --corte de gastos públicos, privatização, eficiência mercadológica são palavrões na maioria dos círculos sociais. É uma pena...

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Como Servidor do Estado Brasileiro, gostaria de registrar que lamentavelmente suas queixas quanto à ineficiência que ainda assola o Serviço Público brasileiro procedem, mas creio ser importante um reparo
sob pena de que o Sr. cometa uma grande injustiça (o que de resto é natural quando frustrados com algo que poderia ser solucionado com maior celeridade manifestamos nossa indignação).
Há um esforço no Serviço Público na busca por melhorias. Num Estado complexo como o Nosso (e com sua magnitude) mudanças que por vezes parecem triviais podem ser complicadas mas creio que estamos avançando (claro que teremos de despender um esforço enorme para acompanhar o resto do País) e o próprio fato do Sr. utilizar-se da Internet como ressaltou - há pelo menos 10 anos - é conseqüência de ações que esse mesmo Estado empreendeu.

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Se lhe ajuda em alguma coisa, aceite minha solidariedade anonima. Das coisas que mais odeio no Brasil, eh reparticao publica. Todos aqueles avisos (sempre negando facilidades), escritos em letra de formato moderno, as cores em tons pasteis tambem irradiando modernidade, os funcionarios 'carimbados' com falsas gentilezas (posso ajudar), as frases cooptadoras beirando a fascismo, tudo aquilo me enoja. Eh dos maiores exemplos de cinismo, falsidade, hipocrisia que jah nessa minha longa vida. Eh mesmo cruel. Pode vc imaginar as agruras que sofrem na mao desse aparelho e da gente que o conduz, as pessoas humildes e menos esclarecidas... Eh melhor parar por aqui.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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