Pensata

Fernando Canzian

14/01/2008

Um pequeno (mau) exemplo

Como todos sabemos, o Ceará é um Estado rico, de Primeiro Mundo. Não falta nada à gente local e os serviços públicos são ótimos. Os cearenses que vieram para o Sudeste em busca de oportunidades é que são uns ingratos.

Evilázio Bezerra/"O Povo"
Multidão acompanhou Cid Gomes e o deputado Ciro Gomes durante carreata de lançamento do Ronda em Fortaleza
Multidão acompanhou Cid Gomes e o deputado Ciro Gomes durante carreata de lançamento do Ronda em Fortaleza

Com dinheiro sobrando, o governo local decidiu gastar cerca de R$ 30 milhões para a compra de 200 veículos da marca Toyota Hilux para a polícia. Todos com câmbio automático e tração 4x4.

Deve ser porque boa parte dos veículos será usada em vias asfaltadas e planas, dentro do projeto Ronda Quarteirão do governador Cid Gomes (PSB), irmão do deputado federal Ciro Gomes (PSB).

Segundo relato do jornal cearense "O Povo", foi no "espetáculo" de uma carreata seguida por helicópteros que Cid e Ciro entregaram em grande estilo algumas dessas viaturas há alguns dias em Fortaleza. O programa inclui ainda motocicletas e demais equipamentos de segurança.

Ao todo, o Ceará prevê gastar R$ 47 milhões do Tesouro estadual para a aquisição dos mimos do Ronda Quarteirão. O montante poderá receber reforço de caixa de R$ 17 milhões de emendas de integrantes da bancada federal ao Orçamento da União. Leia-se: de dinheiro dos contribuintes.

Divulgação
Policiais ao lado da Hilux SW4, da Polícia do Ceará
Policiais ao lado da Hilux SW4, da Polícia do Ceará

Detalhe: todas as especificações do edital do governo cearense miravam apenas e somente a Hilux (combustível, potência do motor, câmbio automático etc.). Mesmo contestado o edital, o governador Cid conseguiu reverter as decisões desfavoráveis na Justiça (dizem que ela é cega) e as Hilux já rodam no Ceará.

Cada um dos veículos custa cerca de R$ 150 mil. Como comparação, uma Chevrolet Blazer 0km, dessas que as polícias paulista e fluminense usam, não chega a R$ 60 mil. Mas o pequeno Ceará é rico e, afinal, muita gente deve ter ficado bem feliz com o negócio.

Se lá é assim, imagine o resto.

Abaixo, mais trechos de mensagens de leitores sobre o tema das três últimas colunas, o serviço público brasileiro (o nome dos autores foram omitidos).

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Trabalho para o serviço público federal e, devo reconhecer que, salvo honrosas exceções, a qualidade do serviço público está bem aquém do que o Brasil precisa. eu mesmo sou vítima, algumas vezes, do próprio sistema. há várias razões para este problema. gostaria de me concentrar em apenas dois pontos.

1) a falta de mecanismos adequados de avaliação (no serviço público existe demissão por insuficiência de produtividade, entretanto, ninguém utiliza esse mecanismo). desta forma, dá na mesma ser improdutivo ou eficiente.

2) as leis emperram em demasia a execução orçamentária. nos últimos anos tenho visto um agravamento nesse sentido. mesmo quando se quer fazer, a aprovação depende de leis ultrapassadas e assessorias jurídicas para lá de inadequadas. é uma coisa extremamente frustrante para quem está fora e dentro do sistema.

obviamente, esses problemas passam necessariamente por uma melhor gestão. infelizmente, as indicações políticas para a direção da maioria desses órgãos é um dos maiores empecilhos para mudar esse quadro no curto prazo. os indicados politicamente raramente parecem interessados em atacar as mazelas do sistema, pois isso pressupõe romper com alguns paradigmas e enfrentar desgaste político. o sistema irá melhorar se os dirigentes fossem escolhidos por critérios técnicos, mas infelizmente não é isso que está acontecendo.

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Em que pese sempre haver exceções, de forma geral o funcionalismo existe para se auto-alimentar.

Tudo se resume a mais dinheiro e mais gente. Nunca se fala em gestão, melhoria de processo, respeito ao cliente, produtividade.

O setor privado não é perfeito, mas vive do cliente e de da sua satisfação. Se no setor público os recursos fossem destinados aos departamentos ou órgãos em que o cidadão brasileiro tivesse satisfeito com o atendimento, todos estariam quebrados. Meu desejo é que todo serviço público, deveria ter pelo menos um concorrente no setor privado. Em poucos meses, os servidores públicos poderiam ser demitidos, pois não teriam pessoas para servir.

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'Casa onde falta pão, todos gritam e ninguém tem razão!', diz o adágio.

É o que se passa com o serviço público. Todos - e ninguém! - tem razão. Funcionários públicos que dão o melhor de si, que são altamente preparados, existem acima de qualquer dúvida. Indisposição com os serviços públicos, a partir da população, são igualmente existentes. E sempre existirão. Nenhum de nós gosta de ser fiscalizado.

O inchaço da folha é indiscutível. Mesmo assim, alegam-se falta de funcionários, de estruturas de apoio. Meias verdades, meias mentiras. Um dos maiores problemas do serviço público, se não o maior, é a falta de continuidade administrativa. Imaginemos uma empresa privada onde se mantenha a base de trabalhadores e a administração seja constantemente modificada, tanto em pessoal quanto em objetivos e métodos. A confusão não seria a mesma?

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Percebo que todos os comentários em defesa dos serviços públicos partem dos próprios servidores públicos. Boa parte deles se sente pessoalmente ofendida, afirmando serem funcionários dedicados e bem preparados. O problema certamente não é gerado por eles, mas tenho vários amigos que trabalham no setor público e todos eles são unânimes em me afirmar que em seus setores existe uma grande quantidade de colegas que é extremamente negligente com suas obrigações.

Cresci em Brasília, pois minha mãe era funcionária pública lotada na FUNAI. Conheci muita gente dedicada, mas também conheci muito espertalhão. Esse tipo de gente existe em qualquer lugar, não sendo privilégio de Brasília ou do setor público. A questão é que não existem métricas que possam ser utilizadas para avaliar os funcionários públicos como existem no setor privado. Caso alguém não corresponda às necessidades do seu empregador o certo é que este alguém seja demitido. Acho este um ponto crucial na discussão, e isso em nenhum momento é levado em conta.

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Parabéns por sua coluna! As duas! Ha problemas no setor privado, concordo. Mas o setor de serviços públicos e lastimável e tenho um irmão que e concursado na assembléia de Minas ha mais de 10 anos. Conheço bem aquilo la...e quem trabalha no "entorno". E olha que meu irmão já viajou pra alguns estados do Nordeste (algumas assembléias estaduais do Nordeste) e ficou horrorizado com o que viu! Me disse que a de Minas e modelo". Veja só a que ponto chegamos.

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O problema de vocês é que na ânsia de agradar o patrão e seus amigos cometem o grave erro de generalizar. O problema do serviço público não passa apenas pela incompetência, falta de compromisso, falta de empenho e dedicação de alguns funcionário públicos que na maioria dos casos são eleitores do PFL e PSDB. Como aliás este não é apenas um problema do setor público mas também é do privado. O problema passa também pela corrupção das instituições públicas que é bom lembrar que geralmente o corruptor é um agente privado e que vocês por 'esquecimento' não citam.

Fernando ainda não caiu a ficha que este teu discurso não cola mais, cola para teu patrão e para 'alguns amigos do teu patrão'. Vamos deixar de hipocrisia e vamos mais a fundo.

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Pelo gráfico se constata que o nível dos investimentos públicos era maior que 20% quando a carga tributária era de 22%. Hoje a carga tributária é de quase 40% e o nível dos investimentos públicos é de pífios 3% ou 4%. Essa política econômica está longe de ser uma política econômica democrática, pois perde feio para a ditadura. E a democracia é para fazer não só melhor que a ditadura, mas muito, muito melhor do que a ditadura.

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Não é verdade que o governo não pode cortar gastos com despesa de pessoal ativo. Ele não pode cortar salários dos concursados, mas os cargos em comissão, cuja imensa maioria são cabides políticos, ele pode cortar a vontade e imediatamente.

Tampouco é verdade que ele não possa cortar nos outros itens. Muitas das aposentadorias e salários tem valores flagrantemente contra a lei, basta vontade politica para acionar a justiça.

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É hilário ler as cartas indignadas dos funcionários públicos com relação as suas matérias. Pena que temos um ranço no Brasil, onde o funcionário público se coloca acima do bem e do mau.

Eles argumentam, pensam e crêem que ao estar prestando um serviço ao público que isso é o supra sumo da vida de qualquer indivíduo, que deveríamos agradece-lo por ter prestado um concurso público e estar com o emprego, a aposentadoria e etc garantidos. Ah, todos argumentam que não têm estabilidade absoluta, tecnicamente não têm, mas na dura realidade dos fatos é uma estabilidade quase absoluta. Frente a necessidade do governo fazer um corte no orçamento de 3,5%, ninguém falou em demitir gente. Fato corriqueiro numa organização privada.

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Ao mesmo tempo em que sua matéria está correta, existe um pequeno problema: a grande maioria dos servidores públicos começam suas carreiras desejando modificar tudo, melhorar o trabalho, realmente dar o sangue pela entidade que defende. Acontece que a estrutura do serviço, os ETERNOS chefes (na maioria das vezes mais mal preparados que seus subalternos) e a falta de recursos para implementar melhorias vão, pouco a pouco minando a vontade dos servidores, até eles entrarem no esquema.

Tenho mais de dez anos de serviço público, após perceber que meu trabalho (sou servidor da Abin, não publique meu nome por favor) não auxilia em P... Nenhuma o País, resolvi fazer como os outros - ou seja, só fazer o que me é pedido por Brasília (central da Abin). Mesmo porque, o que nós fazemos... já tô falando demais, fui....

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Perfeitos estão os seus comentários, aliás, se você utilizou a palavra 'porcaria' é porque foi extremamente educado, eu teria dito outra coisa.

Uma noite peguei um táxi e ouvi o seguinte comentário do motorista: 'Sou chefe das ambulâncias do hospital público da cidade de Franco da Rocha, mas já bati o

Meu ponto e estou aqui para trabalhar no meu táxi, se tiver alguma coisa grave eles me ligam'. Me senti humilhado e quase bati no sujeito.

O Governo precisa é de Governo.

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O que vale replicar para os funcionários públicos 'profissionais de altíssima qualidade e engajados' conforme acredita um de seus leitores (deve ser o filho da velhinha de Taubaté), é que o serviço público, além dos custos diretos - que já são proporcionalmente maiores que na iniciativa privada, tem um caminhão de outros ônus. Isso para não falarmos na triste qualidade dos serviços prestados.

Pergunte para ele quanto será a aposentadoria e a partir de quando ele poderá solicitá-la... pergunte qual o peso do serviço público no total da Previdência... Ele vai a SUS ou se previne com um seguro privado?

Ora, ele só pode ser cego ou estar de gozação, e o seu é um espaço razoavelmente sério, cuja leitura muito aprecio.

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Escrevo este e-mail para lhe dar os parabéns pelos seus artigos sobre como o governo usa o dinheiro público.O que você escreve é a mais absoluta verdade e reflete 100 % o que penso.

Um ponto que muito me impressionou são os e-mails que você recebe de funcionários públicos. Inacreditável mas eles ainda tem coragem de ser contra o que você diz.

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E então vai aceitar o desafio dos leitores e falar também dos bancos, hospitais, planos de saúde, telefonia privada. Transporte aéreo, urbano, filas de supermercado, e então, falar mau do governo é fácil demais.....

Nunca vi matéria jornalística falando mal dos serviços de telecomunicações concedidos ao setor privado, afinal de contas, são as concessionárias de telefonia quem mais gastam dinheiro com publicidade em jornais, depois do Governo, é claro. Nunca vi qualquer crítica sobre a gastança do Setor Público com publicidade em Jornais. E como o Setor Público gasta com Jornais!!!!!

Fico impressionado como a coluna tem a falta de conhecimento em afirmar que policiais civis e militares, médicos da rede pública, professores públicos são bem remunerados. Acho que falta um pouco mais de conhecimento sobre o assunto deste pretenso formador de opinião.

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O fato é que temos uma carga tributária escandinava e serviços públicos subsaharianos. Pequeno para uns e gigante para outros, é fora de dúvida que o Estado brasileiro gasta muito e mal. Custa muito mais do que a sociedade suporta custear. Para piorar, atua da forma mais ineficaz possível, como comprova a triste situação da educação, da saúde, da segurança, do meio ambiente. SE precisamos de mais funcionários, não é na Esplanada dos Ministérios nem nos gabinetes entupidos das secretarias estaduais e municipais, onde se acotovelam milhares de pessoas, perdidas numa burocracia improdutiva e desgastante. SE precisamos de mais funcionários, é em campo, prestando serviços à população nas escolas, nos hospitais, no policiamento das ruas, na fiscalização das áreas protegidas.

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Muito interessante o seu texto e inclusive as opiniões postadas no mesmo.

Eu realmente acho que se deve anunciar a altos brados a falência dos serviços públicos. É uma vergonha que, em um país desse tamanho e com o volume de arrecadação que tem, os serviços públicos sejam tão ruins. Transporte? Educação? Saúde? Quem já precisou de qualquer um desses serviços, na minha visão, essenciais sabe que são péssimos.

Já tive problemas com outras instituições privadas também. Operadoras de telefonia, lojas, bancos, etc. Mas, como bem comentado por um leitor, temos a quem recorrer. E se as instituições responsáveis não derem cabo da reclamação ainda existe a concorrência. No caso dos serviços públicos não existe um regulador. O voto é a maior mentira que existe nessa democracia. Entra governo, sai governo e nada muda. Existe alguma coisa que realmente mudou de um presidente para o outro desde Sarney? Os deputados continuam com um salário irreal e arrancando uma fatia obscena da nossa contribuição. E de uns tempos para cá os magistrados também resolveram entrar na onda de equivalência de salários.

Deveria se poder realmente fazer algo a respeito dessa situação e não imagino que apenas acenar os braços com cartazes em uma avenida ajude muito. Algo efetivo deve ser feito. Mas, enquanto não descobrimos o que, ainda podemos gritar nossas reclamações em altos brados.

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Fernando, comecei a ler sua coluna exatamente por conta dos artigos sobre o serviço público. Será que já não está na hora de os jornalistas começarem a incomodar o governo a respeito dessa diferença abissal entre setor público e setor privado?

Ora, é óbvio que temos uma classe de privilegiados nesse país que são, em especial, os servidores públicos federais. Eu tenho uma sugestão pra você, sugiro que você pesquise o salário e benefício dos servidores públicos federais e os compare às condições em geral do funcionário do setor privado, é absurda a diferença.

Dos 3 poderes o judiciário é o pior. O argumento que li do leitor que informa que tem pouca gente e ainda pagam mal é risível, é como aquele programador que fez um programa de péssimo desempenho e, ao invés de melhorar a lógica, fica comprando computadores caríssimos e de muita potência pra rodar melhor o programa, não tem máquina que dê com a incompetência do programador.

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Obrigado por ter publicado minha resposta, no entanto, vejo que já virou um costume da mídia brasileira descontextualizar o que as pessoas que discordam do Pensamento Único pensam, falam ou escrevem.

Meu salário é descontado 27,5% na fonte,e mais 11% de Previdência.Além de funcionário sou contribuinte o que muitos desses reclamões de plantão não são.

Não sou um sonegador, fiz um concurso muito difícil e muito concorrido. Quem não está satisfeito que concorra e passe como eu fiz.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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