Pensata

Fernando Canzian

08/04/2008

Balde de água fria

O FMI (Fundo Monetário Internacional) jogou um novo balde de água fria sobre os que esperam uma recuperação breve e ainda estão otimistas com a economia internacional.

Durante uma de suas reuniões anuais aqui em Washington, calculou ontem em quase US$ 1 trilhão as perdas provocadas pela atual turbulência nos mercados. Mais: ceifou em mais de um ponto percentual a expectativa de crescimento econômico mundial para 2008, agora projetado em 3,7%.

Na média dos últimos quatro anos, o mundo cresceu 5%. Já para os EUA, o principal motor global, a expectativa é muito pessimista: crescimento de 0,5% neste ano e 0,6% no próximo.

O US$ 1 trilhão em perdas, sugere o FMI, pode ser apenas a ponta de um iceberg. Do total, a grande maioria dos calotes (US$ 805 bilhões) ainda está concentrada em áreas relacionadas ao setor imobiliário, epicentro da atual crise. Mas pode não parar aí.

As companhias não-imobiliárias, como fabricantes de carros, medicamentos e bens para residências, também já acumulam calotes e perdas equivalentes a US$ 120 bilhões. Significa que passaram a ter dificuldades para pagar empréstimos tomados com o intuito de produzir mais ou fechar contas. Apenas em janeiro, o volume de calotes nesse setor representou o dobro do apurado durante todo o ano de 2007.

Essa onda de não-pagamentos e de perdas ainda não chegou com força aos consumidores. Pelas projeções do Fundo, os consumidores acumulam calotes de US$ 20 bilhões, uma cifra pequena comparada aos US$ 2,5 trilhões que rodam no mercado de crédito ao consumo nos Estados Unidos.

Mas é preocupante o fato de essa atual onda de pessimismo parecer estar entrando em um ciclo negativo. É uma peça negra em alguns atos:

1) Os calotes no mercado imobiliário levam a perdas nos bancos; 2) Diante das incertezas, as ações de bancos e empresas produtivas caem; 3) Os consumidores americanos, que têm a maior parte de suas economias no mercado acionário, ficam mais pobres; 4) Os bancos ficam desconfiados e diminuem o volume de empréstimos a empresas e ao consumo; 5) Empresas investem menos e consumidores compram menos; 6) A bolsa e o sentimento de riqueza dos americanos pode cair mais, reforçando todo o ciclo descrito acima.

É ainda cedo para apostar em um cenário de crise irreversível e de proporções gigantescas. Afinal, um crescimento mundial de 3,7% não é pouca coisa, embora menor do que a exuberante média dos últimos anos. Os EUA também têm uma capacidade excepcional de sair de crises rapidamente, dada toda a abertura, produtividade e competitividade de sua economia.

Onde realmente importa: embora o desemprego norte-americano tenha atingido seu maior nível desde setembro de 2005, ele continua baixo, em 5,1%.

Mas seria prudente pensar com os dois pés atrás, nos próximos meses, antes de se meter em operações de risco.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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