Pensata

Fernando Canzian

09/06/2008

O grande teste de Lula

Até aqui, a vida foi relativamente fácil para a administração Lula.

Tirando os dois primeiros anos (2003 e 2004) do mandato do presidente, quando o país tentava se levantar da crise financeira pós-eleitoral de 2002, Lula teve um cenário externo extremamente favorável para tocar o país --e o fez.

Já nos dois primeiros anos, o Brasil foi "administrado" praticamente de fora, pela ingerência e regras impostas pelo FMI. Foi o período em que passou a fazer superávits primários (economia para pagar juros) maiores e equilibrar suas contas, tudo por exigência do Fundo.

Se saiu bem, especialmente porque não enfrentou nenhuma turbulência externa. Teve ainda o mérito próprio de tomar uma série de medidas importantes para reforçar suas contas. Diversificou as exportações e seus destinos, empilhou reservas em dólares no Banco Central e reduziu de forma continuada a dívida pública indexada ao dólar. Hoje, o Brasil está menos vulnerável.

Mas no meio dessa estrada agora aparece o primeiro test-drive para valer com Lula e sua equipe 100% no comando. A inflação está de volta ao país. Quem está sofrendo mais são os mais pobres, que gastam a maior parte de sua renda com o consumo de alimentos e tarifas e que formam também a base da popularidade do presidente Lula.

Para as famílias com renda até 2,4 salários mínimos (R$ 1.037), a inflação acumulada em 12 meses é de 8,2%, bem acima dos 5,5% para as que ganham até 33 salários (R$ 13,7 mil). Cabe lembrar que entre essas últimas, sempre há mais espaço no orçamento para corte de gastos. Já entre os mais pobres, significa comer menos carne ou feijão --e começar a falar mal do governo.

A inflação também volta em um momento em que é inquestionável a aceleração do crescimento brasileiro. O grande desafio do governo será combater a alta de preços sem jogar areia nas engrenagens que hoje vêm movimentando de forma mais azeitada a economia do país.

Inicialmente, parecia que ficaria apenas sob a responsabilidade do Banco Central essa tarefa, por meio do aumento de juros. Além de mais demorado, o processo poderia interromper uma série de decisões de investimentos de empresas na produção, adiando ainda mais o aumento da oferta de bens e serviços que poderá, no futuro, diminuir a inflação.

Agora, parece que Lula finalmente se convenceu de que o governo precisa enxugar seus gastos e diminuir a sua própria demanda por bens e serviços. Seguindo o receituário imposto lá atrás pelo próprio FMI, Lula quer aumentar em R$ 18 bilhões a economia do governo federal neste ano. Isso significa menos dinheiro circulando e menos pressão sobre a oferta. Se o fizer, será de uma enorme ajuda ao trabalho do Banco Central, que precisará de um ciclo de aumento de juros menor para debelar a inflação.

Comparado aos problemas que o Brasil já teve no passado, esse parece até fácil de resolver. É e não é. Pois o grande desafio será o país conseguir sair dessa tendência de aumento de preços (e de deterioração da popularidade de Lula por conta da inflação) sem um tranco no crescimento, como tem sido comum na história recente do país.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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