Pensata

Fernando Canzian

15/06/2008

Um novo velho Brasil

Arte

Nos últimos anos, o setor agroindustrial tem sido a salvação da lavoura para o Brasil. Os preços dos alimentos estão nas alturas em todo o mundo e o país, como grande produtor, tem se beneficiado muito dessa tendência.

A situação das contas externas brasileiras (que voltou ao vermelho) só não é pior hoje por conta desse boom do agronegócio. Como se diz, as exportações do setor estão "bombando".

Há duas semanas, visitei com o amigo e colega da Folha Mauro Zafalon, especialista na área, um dos locais onde o agronegócio mais cresce no Brasil: a região oeste da Bahia, onde Barreiras (130 mil habitantes) e Luís Eduardo Magalhães, ou LEM (40 mil), são as duas principais cidades.

O que ocorre ali é impressionante sob qualquer parâmetro e aspecto. Investimentos da ordem de R$ 1,5 bilhão estão sendo dirigidos à região de forma sistemática. Não apenas de grupos nacionais, com predominância de gente vinda do Sul, como de investidores estrangeiros que compram enormes propriedades para produzir soja, milho e algodão, entre outras culturas. Os gringos já dominam 20% da lavoura local.

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Cerca de 2.500 caminhões atravessam diariamente o centro de Barreiras, que possui 130 mil habitantes, na época da safra
Cerca de 2.500 caminhões atravessam diariamente o centro de Barreiras, que possui 130 mil habitantes, na época da safra

As culturas na região são normalmente irrigadas por mecanismos que custam, cada um, R$ 400 mil e que cobrem um perímetro de 3,6 km. Vistos do céu, formam algo impressionante, assim como a riqueza que é gerada no chão por (e para) esses empresários.

Em LEM, já há condomínios fechados com campos de golf, pistas de kart e casas na faixa dos milhões. Em pistas de pouso de terra batida, produtores rurais "estacionam" seus pequenos aviões com a mesma naturalidade com que nós encostamos nossos carros nas calçadas.

Mas, como tudo no Brasil, as coisas parecem muito distorcidas nesse mundo progressista do agronegócio.

Tome-se o caso de Barreiras, no centro desse boom. É uma cidade com 130 mil habitantes onde menos de 12% da população trabalha no agronegócio. A cidade vive basicamente de dinheiro transferido por Estado e União e menos de 20% das casas têm coleta de esgoto.

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Áreas com plantações irrigadas na região de Barreiras e Luís Eduardo Magalhães (ou LEM); cada mecanismo custa R$ 400 mil
Áreas com plantações irrigadas na região de Barreiras e Luís Eduardo Magalhães (ou LEM); cada mecanismo custa R$ 400 mil

Há bairros paupérrimos e 85% dos proprietários de imóveis não pagam IPTU. Além disso, inexiste um sistema de georeferenciamento para apurar qualquer fato gerador de impostos no agronegócio. Resultado: a prefeitura deve R$ 80 milhões e não tem dinheiro para nada.

Como diz o prefeito de Barreiras, Saulo Pedrosa, "o desemprego é muito grande. A gente aqui fica só olhando, de braços cruzados, as carretas e o progresso passarem pela BR".

Barreiras é cortada ao meio pela BR-242. É um inferno diário, já que passam pela estrada cerca de 2.500 carretas (muitas de até nove eixos) durante a safra. A prefeitura tem planos para construir um anel viário e desafogar o centro. Mas, apesar de toda a riqueza do agronegócio que congestiona a cidade, não há dinheiro para a obra.

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Reginaldo Lima, 20, espera ônibus para ir trabalhar, pela primeira vez, na colheira do café
Reginaldo Lima, 20, espera ônibus para ir trabalhar, pela primeira vez, na colheira do café

Já na progressista e vizinha LEM, orgulho de muita gente na região, a situação não é muito diferente. Menor e mais rica, a cidade também é cortada ao meio por uma BR, a 020. À noite, há centenas de caminhões parados em postos de gasolina bem no meio da cidade, com várias prostitutas circulando e oferecendo seus serviços.

Apesar de toda a riqueza e de algumas casas e condomínios caríssimos, a violência grassa em alguns bairros, como no Jardim das Acácias, onde os moradores (1/4 da população da cidade) são obrigados a contratar seguranças privados para não serem assaltados.

O prefeito de LEM, Oziel Oliveira, diz que investe no policiamento e que os problemas resultam do progresso. Pode ser. Oliveira é fazendeiro e empresário.

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Outdoors de marcas de grife contrastam com rua sem asfalto em Barreiras, onde 85% das residências sonegam o IPTU
Outdoors de marcas de grife contrastam com rua sem asfalto em Barreiras, onde 85% das residências sonegam o IPTU

Pretende fazer seu sucessor na eleição desse ano em LEM e almeja também eleger sua mulher, a deputada federal Jusmari de Oliveira (PR-BA), como prefeita na vizinha Barreiras. Oliveira se define como "de direita" e afirma que sua prioridade é pavimentar um caminho sem obstáculos para o bom andamento dos negócios.

O agronegócio de Barreiras, LEM e região é impressionante e gera riqueza e alimentos indispensáveis. E é bom que seja assim. Mas é triste constatar que mesmo diante de um novo patamar econômico e em uma nova região, o desenvolvimento do Brasil continue a se dar de modo tão anacrônico.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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