Pensata

Fernando Canzian

13/11/2008

A crise avança

WASHINGTON - Uma série de notícias e dados divulgados nos últimos dias permite especular um pouco mais claramente sobre as dimensões da atual crise internacional. Ela é imensa e rumou mais rápido do que o esperado do segmento financeiro para o setor produtivo e o comércio.

Em um mês, o desemprego nos EUA saltou de 6,1% para 6,5%, e uma revisão de dados para todo o ano fez subir para 1,2 milhão o número de demitidos no país em 2008. O aumento do desemprego foi instantâneo, seguindo a grande derrocada dos mercados no final de setembro e início de outubro.

Infelizmente, esse foi só começo. Teremos uma série de más notícias nos próximos meses e mais desemprego, com empresas faturando muito menos e gigantes de vários setores possivelmente entrando em concordata. A recessão que vem aí não será apenas profunda, mas deve também ser longa.

Obviamente, isso não está acontecendo só nos EUA, embora ocorra (ainda) com mais intensidade aqui. A Alemanha acaba de declarar-se oficialmente em recessão após dois trimestres de PIBs negativos. E a OCDE, organização que reúne os países mais ricos do mundo, já estima que o desemprego entre seus membros deve crescer de 5,9% neste ano para 6,9% em 2009. E chegar a 7,2% em 2010.

Nos EUA, o aspecto mais assustador da atual crise é que, além de estarem perdendo mais rapidamente seus empregos, os norte-americanos continuam perdendo suas casas em velocidade crescente. Isso sem falar na montanha de dívidas que acumularam e na "evaporação" de suas economias que estavam aplicadas nas Bolsas.

Desde o início de 2006, quando o mercado imobiliário nos EUA começou a derreter, 5,6 milhões de famílias já receberam ordens de despejo pelo não-pagamento de prestações. Essas prestações é que lastreavam a farra de títulos que os bancos venderam ao redor do mundo, e que hoje não valem quase nada, detonando a crise.

O ritmo de despejos passou de 1,2 milhão em 2006 para 2,2 milhões no ano passado. Em nove meses de 2008, o volume já é igual ao de todo 2007. Hoje, 1 entre cada 475 residências nos EUA está passando pelo processo de "foreclosure", que antecede o despejo.

Entre os Estados mais problemáticos estão Califórnia, Flórida, Arizona e Nevada. O mapa abaixo dá uma boa idéia das regiões mais afetadas. Quanto mais forte o tom de vermelho, pior a situação.

O mais incrível é que, como a evolução dos despejos mostra, o problema começou em 2006 e rolou em 2007 inteiro, até explodir definitivamente com todo o mercado há pouco menos de dois meses. Ou seja: a primeira onda de despejos em 2006 não ligou nenhum alerta, nem a segunda de 2007. Até vir o tsunami de 2008.

Outro aspecto incrível foi a ação das autoridades norte-americanas. Só agora é que o Tesouro dos EUA e os bancos começam a se entender e a buscar alguma solução mínima exatamente para o que está na raiz do problema: a queda nos preços das casas e a incapacidade dos mutuários em continuar pagando as suas prestações.

Com a ajuda financeira do Tesouro, os maiores bancos dos EUA e as gigantes do setor imobiliário recém-estatizadas, Fannie Mae e Freddie Mac, estão agora se propondo a repactuar milhões de dívidas com seus mutuários, seja baixando os juros das prestações ou ampliando os prazos.

E isso ocorreu mais porque as residências retomadas se tornaram um pepino gigantesco para os bancos. Não porque eles tenham ficado sensíveis ao destino dos despejados.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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