Pensata

Fernando Canzian

24/11/2008

Dilma 2010 e a crise

da Folha Online

Ou está mal informada, o que seria um grande risco para todos nós, ou já entrou em "modo" de campanha. Aquele que permite, como é praxe, dizer qualquer coisa sem assumir depois responsabilidades.

Para a ministra e candidata presidencial de Lula em 2010, Dilma Rousseff (Casa Civil), os dias piores da crise internacional já ficaram para trás. "A pior fase passou, porque não vemos bancos falindo como se via no momento anterior", disse a ministra-candidata no final da semana que passou.

Dilma vai pelo mesmo caminho de Lula e do ministro Guido Mantega (Fazenda) nos primeiros dias da crise. O primeiro mandava "perguntar ao Bush" sobre o problema. O segundo dizia que o Brasil passaria praticamente ileso pela crise. Lula fez bem em ungir Dilma sua candidata.

Na mesma semana em que Dilma relegou a um segundo plano a gravidade da atual crise, que só piora dia após dia, nada menos que o maior grupo financeiro dos EUA, o Citigroup, viu o valor de suas ações derreter 60%.

Autoridades norte-americanas passaram o fim de semana inteiro tentando uma solução para que o banco, enorme, não quebre. Não descartam inclusive assumir perdas bilionárias e adquirir diretamente participação na instituição. Realmente, "não vemos bancos falindo como se via...".

Também para Dilma, a segunda fase da atual crise será mais branda. Bancos não vão quebrar mais, acha. O que vem agora, diz, é uma recessão nas economias desenvolvidas. Que tipo de comentário é esse?

Além de bancos não quebrarem hoje exclusivamente porque governos estão a socorrê-los, é a recessão que afetará diretamente as pessoas, que perderão seus empregos e sua renda.

Em vez de palpitar sobre o que não tem conhecimento pleno, ou qualquer possibilidade de interferência, autoridades brasileiras deveriam era expor com coragem os enormes riscos que o Brasil corre nesta crise. E preparar medidas antes que seja tarde demais.

Além de tudo o que já se tem visto, como bancos retomando máquinas agrícolas e automóveis de agricultores e consumidores inadimplentes (sem falar no freio que o crescimento do emprego já sofreu), vai se armando aos poucos uma enorme arapuca para o Brasil.

Cerca de 65% das exportações brasileiras são exclusivamente de matérias-primas e produtos básicos. De julho para cá, seus preços internacionais despencaram mais de 40%. Não é preciso ser candidato a presidente para prever uma forte queda no saldo da balança comercial no futuro próximo, especialmente nesta fase mais "branda" da crise, de recessão nas economias avançadas.

Saldo comercial menor significa menos dólares entrando. Menos dólares entrando significa dólar e importados mais caros, com impactos inflacionários consideráveis. E pressão crescente pela queima de reservas. Nos últimos quatro meses o dólar já subiu 58%. Lá na frente, para evitar o pior cenário, a receita tradicional: juros altos e desaquecimento.

É assim que uma crise continuada e profunda, como parece ser o caso, vai nos pegar em cheio.

E, mais diretamente, o plano Lula-Dilma.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

FolhaShop

Digite produto
ou marca