Pensata

Fernando Canzian

05/01/2009

A nova onda da crise

Passados os últimos três meses de 2008, quando a economia dos EUA foi violentamente atingida pela secura de crédito e dinheiro vivo entre bancos e empresas, uma nova onda da atual crise já se forma no horizonte.

Preventivamente ou por falta de liquidez, bancos e empresas estão cortando cada vez mais o crédito a seus clientes. Aos que, afinal, fazem a economia girar: os consumidores.

Na semana passada, o Fed (o BC dos EUA) criou uma nova linha de US$ 200 bilhões destinada exclusivamente a financiar papéis que lastreiam o crédito voltado ao consumo (cartões de crédito, basicamente), financiamentos de veículos e a estudantes.

O tamanho do socorro é módico se comparado aos cerca de US$ 1 trilhão em dívidas em cartões de crédito entre os consumidores norte-americanos em outubro. Bem menor ainda ao das projeções da empresa de análises financeiras Oppenheimer & Co.. Ela estima que cerca de US$ 2 trilhões em linhas de crédito ao consumo serão retirados do mercado nos próximos 18 meses, o equivalente a 45% do total de financiamento para cartões disponível em 2008.

Se isso de fato ocorrer, a economia norte-americana tende não só a afundar mais à frente como levar mais tempo para arremeter.

No conjunto, apesar das linhas de resgate, os problemas que se avizinham para as empresas de cartões de crédito norte-americanas já fizeram o valor de suas ações derreter 80% em 2008. É um prenúncio do que pode vir por aí.

O corte no crédito nos EUA é um problema de grandes proporções. Infelizmente, imenso.

Não apenas a economia já está em recessão, como os norte-americanos, que são movidos a crédito nessa atual geração, nunca estiveram tão endividados (além de terem perdido quase a metade de seu patrimônio nas Bolsas).

Em cima de tudo isso, a certeza de que o desemprego vai aumentar. O próprio presidente eleito, Barack Obama (ele assume dia 20), já fala em uma taxa de dois dígitos (10% ou maior, portanto) ao final de 2009.

Levantamento realizado em novembro pela Equifax Inc. entre 11 milhões de americanos com histórico de crédito mostrou que 131,6 mil pessoas declararam "falência pessoal" naquele mês. O número é 37% maior ao de novembro de 2007.

Houve ainda aumentos importantes no total de pessoas com atrasos superiores a 30 dias nos pagamentos de financiamentos imobiliários (os americanos devem mais de US$ 10 trilhões nessa área), cartões de crédito e dívidas para a compra de automóveis.

Os dados, repetindo, são de novembro. Levando em conta a velocidade dessa crise, são muito defasados.

Também com base em previsões de dois meses atrás (outubro), algumas estimativas apontam que só a indústria de cartões de crédito nos EUA venha a perder mais de US$ 70 bilhões por conta de calotes.

Ironicamente, são algumas das instituições que receberam grossa ajuda do governo dos EUA (Citibank, US$ 45 bilhões; Bank of America, US$ 25 bilhões, entre outros) que estão passando a limitar o crédito a seus clientes. Aos que, em última instância, financiaram o resgate.

Enxergando potenciais perdas futuras, esses bancos estão simplesmente "entesourando" o dinheiro recebido dos contribuintes.

Em resumo, esperam dias piores.

*

Para registro: a última coluna de 2008 (Cavalo de pau) recebeu dezenas de e-mails criticando o seu pessimismo. Muitos viram até (não é o caso) torcida contra o governo Lula e o Brasil. A ver.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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