Pensata

Fernando Canzian

19/01/2009

Obama e o lixo da crise

de Washington

Nos últimos três meses, 257 bancos em 42 Estados norte-americanos receberam cerca de US$ 190 bilhões em injeções de dinheiro público do Tesouro dos EUA. Mais da metade do dinheiro foi dirigida a apenas sete gigantes, como Citigroup e Bank of America.

Em alguns casos, o governo dos EUA acabou se tornando o maior acionista individual do banco. Mesmo assim, muitos deles simplesmente "entesouraram" o dinheiro recebido em vez de colocá-lo na praça na forma de empréstimos, como queria o Tesouro.

Uma diretora do Bank of Michigan, um dos socorridos pelo dinheiro público, comentou candidamente a estratégia: "É como se você estivesse em um avião passando por súbita despressurização. Quando as máscaras de oxigênio caem, a primeira coisa a fazer é coloca-la em você mesmo".

Barack Obama assume a Presidência dos EUA em meio à maior crise da atual geração. Sua equipe econômica já considera saídas desesperadas para tirar o país da rota de uma possível depressão.

Os números mais recentes mostram um rápido aprofundamento da crise. Não apenas nos EUA, mas na totalidade das economias avançadas e na maioria dos mercados emergentes. Por todos os lados, o mesmo problema: o congelamento do crédito.

Só na semana passada, e em apenas três empresas (General Eletric, Hertz e Circuit City), a economia norte-americana perdeu 50 mil empregos, o equivalente a quase 10% de todas as vagas de trabalho decepadas em dezembro --mês em que o desemprego saltou para 7,2%, o maior em 16 anos.

A crise já formou um ciclo vicioso, e ele se autoalimenta: os bancos deixaram de emprestar ou não têm mais condições de fazê-lo, os consumidores reduziram os gastos e as empresas estão vendendo menos. Por isso (ou preventivamente), elas demitem funcionários, levando as pessoas a gastar cada vez menos e a ter dificuldades para consumir e pagar dívidas _aumentando o rombo nos bancos.

Membros da equipe de Obama já fizeram conhecer alguns detalhes de um pacote de US$ 825 bilhões que o novo presidente quer aprovar rapidamente no Congresso. Entre as principais medidas há US$ 90 bilhões para investimentos em infraestrutura, US$ 106 bilhões para seguro-desemprego e ajuda alimentar ("food stamps") e US$ 275 bilhões para um pacote de redução de impostos.

A ação mais extrema que vem sendo considerada, porém, é a criação de uma ou várias instituições estatais que absorveriam todos os ativos "tóxicos" dos bancos em apuros nos EUA. Seria uma espécie de lata de lixo financeira, onde os bancos jogariam seus ativos podres em troca de mais ajuda estatal, limpando a área para poder voltar a emprestar --oxigenando a economia.

Os títulos quase sem valor que iriam para o "lixo" representam as garantias igualmente sem valor tomadas pelos bancos para sustentar a farra de empréstimos dos últimos cinco anos, período em que os EUA cresceram com força embalados pela onda irresponsável de expansão do crédito.

Até agora, os bancos norte-americanos reconheceram ativos "tóxicos" em suas carteiras equivalentes a US$ 1 trilhão. O problema é que muitos estão mentindo deliberadamente sobre sua real situação para não piorar ainda mais o quadro de desconfiança sobre eles --e a desvalorização de suas ações.

Os rombos provocados por esses papéis podres podem, portanto, ser imensamente maiores.

Assim como o tamanho do lixo a recolher e os problemas de Obama.

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Reprodução
"Christina´s World" (O Mundo de Christina), de Andrew Wyeth, foi pintado em homenagem a Christina Olson, que sofria de paralisia
"Christina´s World" (O Mundo de Christina), de Andrew Wyeth, foi pintado em homenagem a Christina Olson, que sofria de paralisia

Morreu dormindo na semana passada um dos melhores, mais populares e controvertidos pintores norte-americanos, Andrew Wyeth, aos 91 anos. Visto de forma preconceituosa por muitos críticos como "rural" e representante da classe média norte-americana que tanto os "modernistas" rejeitavam, Wyeth flanou acima dessas discussões inúteis.

"Christina´s World" (O Mundo de Christina) foi pintado em 1948 em homenagem a Christina Olson, que sofria de paralisia muscular, possivelmente uma poliomelite.

Impossibilitada de andar pela doença, mesmo assim Christina rastejava para longe, em busca de uma visão mais abrangente de seu próprio mundo.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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