Pensata

Fernando Canzian

16/02/2009

Crise de vento em popa; governos a remo

DE NOVA YORK - "Tra il dire e il fare c'è di mezzo il mare", diz o sábio, velho provérbio italiano.

Se entre o dizer e o fazer existe um mar a percorrer, o governo do presidente Barack Obama acaba de conquistar uma embarcação de US$ 787 bilhões (5% do PIB dos EUA) para navegar na tormenta da atual crise que afoga seu país.

Obama apenas herdou esta crise, mas é dele e dos democratas a ideia de concentrar cerca de dois terços de um novo pacote aprovado pelo Congresso em gastos com infraestrutura, escolas, hospitais e energia renovável, entre outros.

Por pressão dos republicanos, o outro terço vai para cortes e benefícios tributários aos norte-americanos. Eles poderão, como bem entenderem, gastar ou pagar dívidas com o estímulo fiscal.

Dois casos, vindos à tona pela força da natureza:

Em setembro, o furacão Ike varreu o caribe e atingiu em cheio Galveston, no Texas. Milhares de pessoas perderam suas casas. A Fema, agência federal para emergências, recebeu alguns bilhões de dólares e foi incumbida de distribui-los entre as famílias com imóveis afetados.

Já houve quatro adiamentos no programa, que terminaria em novembro. O último foi na semana passada. Dos 730 mil pedidos de ajuda, apenas 82 mil receberam cerca de US$ 370 milhões. Parte do pepino é que os agentes do governo não conseguem determinar se os estragos nas casas eram anteriores ou não ao furacão... E bilhões seguem entesourados na Fema.

Três meses antes do Ike, uma enchente de proporções bíblicas atingiu Cedar Rapids, em Iowa. Deixou mais de 300 prédios públicos danificados, além de estradas e pontes. Passados oito meses, 1.200 famílias ainda não puderam voltar a suas casas.

Várias delas em uma área de 554 imóveis receberam centenas de milhares de dólares do governo e colocaram outros do próprio bolso para reparar suas casas. Agora, serão novamente indenizadas com dinheiro público e terão de se mudar. Outra agência federal, que aparentemente não 'conversou' com a Fema, prevê um projeto de infraestrutura no local.

Obama promete agilidade e transparência nos gastos de seu novo pacote. Boa sorte.

Mas, nesta crise, os governos parecem estar sempre atrás da curva. Enquanto ela já virou a esquina e desceu a ladeira, os formadores de políticas estão amarrando os cadarços ou escolhendo o tênis mais apropriado para tentar alcançá-la.

Até agora, nenhum país encontrou a solução mais adequada para o centro da crise: a falência do sistema de crédito e dos bancos. Embora não exista 'bala de prata' para matar esse lobisomem, tampouco as armas forjadas até aqui parecem minimamente eficientes.

Dois exemplos históricos recentes:

No início dos anos 1990, a Suécia sofreu uma crise bancária nos mesmos moldes da atual. Rapidamente, o governo assumiu as perdas, recapitalizou o sistema e nacionalizou os bancos inviáveis. O país se reergueu.

Mais ou menos na mesma época, o Japão sofreu crise semelhante. Mas demorou para atacar o problema dos bancos. O resultado foi uma década perdida, de baixíssimo crescimento e deflação.

Certamente os EUA não são a pequena Suécia, mas correm cada vez mais o risco de ficar pior do que o Japão. No país asiático, a crise acabou sanada por uma longa queda nos investimentos e gastos do fortemente endividado setor privado. Mas isso foi compensado em parte por uma diminuição na taxa de poupança (altíssima) dos japoneses, que passaram a gastar um pouco mais.

Nos EUA, não só os norte-americanos nunca deveram tanto em suas vidas como os bancos estão praticamente quebrados e as empresas também devem muito. Em 2009, cerca de US$ 700 bilhões (metade do PIB do Brasil) terão de ser pagos ou rolados pelo setor corporativo. Nos 40 primeiros dias de 2009, US$ 43,1 bilhões já deixaram de ser pagos. O total dos calotes até aqui é maior do que os de 2006 e 2007 somados.

Enquanto Obama gastou boa parte do seu capital político inicial para fazer passar o pacote de estímulo no Congresso, o 'detalhamento' do novo plano do Tesouro dos EUA para os bancos revelou-se uma piada. O pacote de estímulo tem 1.073 páginas. O fiasco apresentado pelo Tesouro, menos de 7. E, incrível, nada de novo surgiu desde então.

Quando finalmente algo de sólido para os bancos aparecer e vier a ser posto em prática (entre o dizer e o fazer...), é possível que a crise já tenha se alastrado e dobrado várias esquinas diferentes.

O risco não será mais o de não alcança-la. Mas de muita coisa acabar definitivamente perdida nesse novo labirinto.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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