Pensata

Fernando Canzian

11/03/2009

Destruição da riqueza

DE NOVA YORK - Um dos aspectos mais impressionantes sobre a atual crise mundial é a velocidade com que a riqueza de empresas e famílias está sendo dizimada pela explosão do endividamento global. Não há precedentes nesta geração de um empobrecimento tão rápido e agudo em tão pouco tempo.

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Loja no Upper East Side de Manhattan, um dos locais mais caros do mundo, oferece descontos de 30% a 70%
Loja no Upper East Side de Manhattan, um dos locais mais caros do mundo, oferece descontos de 30% a 70%

Segundo estudo encomendado pelo Banco de Desenvolvimento Asiático ao ex-diretor do FMI Claudio Loser, cerca de US$ 50 trilhões (o equivalente ao PIB mundial de um ano inteiro) evaporaram das contas de investidores ao longo de 2008. Na América Latina, uma das regiões mais pobres do mundo, a perda foi de US$ 2,1 trilhões, mais de "um Brasil e meio".

Somente nos EUA e em apenas 15 meses, as famílias viram sua riqueza (concentrada em ações na Bolsa e imóveis) ser destruída em US$ 16,5 trilhões, de acordo com levantamento do IIF, que reúne os maiores bancos do mundo.

Essa pulverização ocorre, principalmente, porque investidores e empresas que tinham dinheiro aplicado no mercado de ações ou em outros títulos mundo afora estão tendo de "realizar" (vender) rapidamente o papelório para cobrir dívidas. Pois a atual secura no crédito mundial não está mais financiando a rolagem desses papagaios.

Um exemplo explícito de como a riqueza é dizimada pode ser encontrado nas ações do Citigroup. Quem tinha papéis desse banco (que já foi um dos mais poderosos do mundo) no auge do mercado há alguns meses podia conseguir US$ 55 vendendo uma única ação.

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Na mesma região, há dezenas de apartamentos novos e usados para alugar ou vender à espera de clientes
Na mesma região, há dezenas de apartamentos novos e usados para alugar ou vender à espera de clientes

Na semana passada, o preço de cada ação do Citi chegou a cair abaixo de US$ 1. Mesmo que os papéis se valorizem 1.000% de uma hora para a outra, eles não valerão um quinto do que já valeram. Ou seja, dificilmente essa riqueza será recuperada. Pelo menos não tão cedo.

Resumindo: chegou a hora de pagar a conta, às custas de um abrupto empobrecimento global. As consequências são imensas.

Alguns pequenos exemplos desses novos tempos, ilustrados pelas imagens nesta página:

Anúncio publicado nesta semana no "The Wall Street Journal", o oráculo conservador dos ricos (ou ex-ricos) financistas de Nova York, oferecia serviço para reparos de sapatos caríssimos a pessoas que não estão mais dispostas a gastar muito dinheiro com um novo par. O preço: US$ 85 pela reforma (R$ 200).

Outro incentivava investidores a desembarcar da papelada de Wall Street e a se refugiar em uma das mais antigas reservas de valor do mundo, o ouro. O anúncio prega que os atuais gastos trilionários dos governos ao redor do mundo (que já somam cerca de US$ 2 trilhões) em breve não serão financiáveis, o que levaria os Estados a emitir cada vez mais dinheiro sem lastro fiscal (de impostos). O fato desembocaria inevitavelmente em mais inflação. Daí a refugiar-se no ouro. Faz pensar, não?

Em uma rápida volta pelo Upper East Side de Manhattan, uma das regiões mais caras do mundo, esse colunista contou nada menos do que 13 espaços para alugar entre apenas três quarteirões (nas Segunda e Terceira Avenidas, entre as ruas 83 e 86).

Alguns deles, de esquina, são imensos. Outro, gigantesco, pertencia à Circuit City, uma das ex-maiores redes de eletrônicos do mundo. A empresa faliu em janeiro.

A destruição da riqueza vai ficando cada vez mais patente nos resultados divulgados diariamente pelos vários setores da economia. Redes "barateiras" e agressivas como o Wal-Mart têm lucro enquanto os outros afundam. Outras bem mais sofisticadas, como a famosa Tiffany, desembarcam completamente de projetos de expansão. Empresas de aviação cortam assentos. As de ônibus crescem. E por aí vai.

Nessa crise, infelizes os acostumados a necessidades não necessárias.

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Anúncio do "Wall Street Journal" diz a executivos para reformar sapatos caros, em vez de comprar um novo. O outro afirma que gastos estatais farão inflação disparar e encoraja investidores a comprar ouro
Anúncio do "Wall Street Journal" diz a executivos para reformar sapatos caros, em vez de comprar um novo. O outro afirma que gastos estatais farão inflação disparar e encoraja investidores a comprar ouro

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Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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