Pensata

Fernando Canzian

14/04/2009

Na lama

EM NOVA YORK - No final de semana, a rede de vestuário norte-americana Banana Republic ofereceu 60% de desconto para centenas de itens em suas lojas em relação ao preço marcado nas etiquetas. Se o cliente comprasse mais de US$ 100 (R$ 220) em produtos da loja, outros 20% em descontos seriam acrescentados à conta.

Há um mês, a Banana Republic oferecia desconto de 40%. Há duas semanas, de 50%. Agora, de 60% mais 20% para as compras acima de US$ 100. As promoções são anunciadas em cartazes no meio da calçada e por funcionários distribuindo panfletos aos passantes.

Uma série de dados mais abrangentes mostra que o comércio nos EUA reduziu de maneira significativa os estoques em janeiro, fevereiro e março. Isso poderia ser boa notícia, pois significa que as lojas voltarão a realizar pedidos junto às fábricas, incentivando a produção.

Mas não é tão fácil assim.

O que está em curso, e principalmente nos EUA, é um esforço concentrado de empresas e famílias para reduzir o endividamento. Daí que quem tem o que vender está correndo nessa direção, deprimindo ainda mais os preços em vários setores.

Não é preciso atravessar a rua para ver que outras concorrentes como a GAP ou H&M têm exatamente a mesma estratégia. É como se todos buscassem a última rebarba do consumo, antes que os compradores sumam de vez.

Em março, as vendas do comércio nos EUA caíram mais 1,1%, com as revendedoras de veículos, lojas de eletrônicos e restaurantes liderando as baixas.

Portanto, a expectativa de que a queda nos estoques incentivará novos pedidos e mais produção não passa disso --de expectativa.

Se na ponta do comércio a estratégia é colocar os preços na bacia das almas, o mesmo vem sendo seguido à risca pelas indústrias. Vendem como podem para gerar caixa e empatar o mínimo possível de dinheiro em estoques de matérias primas para produzir.

Nesta crise, "cash is King" (dinheiro no bolso é rei, é o que importa).

O problema fundamental é que o colapso do mercado imobiliário nos EUA já reduziu quase à metade, desde 2007, a principal poupança das famílias norte-americanas: o preço de seus imóveis.

A queda acentuada nas Bolsas de Valores também empobreceu a todos, especialmente os americanos médios, que guardam no mercado de ações a maior parte de sua poupança. Ou seja, está todo mundo mais pobre.

O que ocorre agora?

Quem empobreceu, tende a poupar. Para pagar dívidas e se precaver para o futuro. O problema é que consumidores e empresários o fazem todos de uma vez e ao mesmo tempo.

Por isso, nunca é demais lembrar, a atual crise se autoalimenta, num ciclo vicioso. Vendas, produção e emprego encolhem quando o dinheiro vai para "debaixo do colchão".

Os dois quadros abaixo mostram como cresceu de forma insustentável o endividamento de todos os setores produtivos e das famílias nos EUA nas últimas décadas. E, particularmente, como as dívidas das famílias deram um salto absurdo a partir de 2007 em relação à tendência de alta que vinha desde os anos 1950.

Essa é a raiz (e o tamanho) da atual crise. Enquanto as curvas não baixarem, continuaremos na lama.

Arte FOL
Arte FOL

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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