Pensata

Fernando Canzian

18/06/2009

A barriga de Obama

de NOVA YORK - O governo dos EUA vem tomando medidas sem precedentes para amortecer a atual crise e tentar impedir que algo semelhante se repita nos próximos anos.

A estatização da AIG, maior seguradora do mundo, da General Motors, ex-maior montadora do mundo, e do Citigroup, ex-maior banco do mundo, são medidas desesperadas nesse sentido.

O lançamento nesta semana de um novo escopo para regular os mercados financeiros, também. O que se pretende é tentar evitar os ciclos de "bolhas" e seus respectivos estouros que tem sido uma constante nos últimos anos.

Tivemos a bolha das "ponto.com" no início da década e a imobiliária ao seu final. Pelo visto, estamos a caminho de uma nova bolha, provocada pela redução drástica de juros dos principais bancos centrais e pela enxurrada de dinheiro público na economia.

Quando o juro público é baixo, há, invariavelmente, a busca por aplicações mais rentáveis, como ações de empresas e commodities. O risco é a atividade econômica não se sustentar com o tempo, e tudo isso desabar mais uma vez diante da realidade de vendas fracas, desemprego e continuidade da recessão ou de um cenário de atividade econômica anêmica.

O quadro pode piorar tendo em mente que o mundo está diante do maior ciclo de endividamento público da história.

Segundo projeções do FMI, o endividamento das dez maiores economias do mundo tende a passar dos atuais 78% em relação ao seus PIBs para 114% até 2014. Serão US$ 9 trilhões em dívidas extras.

Significa que cada cidadão desses países (incluindo crianças) deverão cerca de US$ 50.000 por cabeça daqui a cinco anos. É uma enormidade. Isso deve pressionar em breve os governos a aumentar os juros pagos por seus papéis emitidos no mercado. Já que investidores vão querer remunerações maiores para continuar financiando essas dívidas estatais.

Juros maiores significam mais custo para empréstimos, que redundam em mais custo de produção e queda da atividade.

De maneira relativamente rápida, Obama atacou as consequências da crise. As estatizações, a explosão do endividamento americano para tentar tirar o país da draga e agora o plano de regulamentação do mercado são iniciativas nessa direção.

O essencial, porém, continua intocado. O mercado de crédito permanece entupido e os chamados "ativos tóxicos" continuam sentados nas carteiras dos bancos. Estima-se que quase US$ 2 trilhões continuam lá só nos EUA.

Como são resultado de operações realizadas no mercado imobiliário, ainda longe de dar sinais de recuperação, dificilmente esses ativos vão se "dissolver" no médio prazo. Surpreendentemente, não se fala mais sobre o chamado plano "público-privado" para que investidores possam comprar esses "ativos tóxicos" com subsídio do governo de até 93% (!).

A razão é simples. Ao vender os ativos, os bancos têm de dar baixa neles pelo valor de mercado (hoje, eles são contabilizados pelo valor cheio, mesmo não valendo quase nada). Ao dar baixa, os rombos dos bancos explodiriam.

Nesta semana, o Tesouro permitiu que dez bancos que receberam ajuda estatal a partir do ano passado (num total de US$ 68 bilhões) devolvessem o dinheiro para o governo. Sinal de nova solidez? Longe disso. Hoje, todos eles só conseguem levantar capital no mercado para emprestar a pessoas e empresas porque o Fed (o BC americano) garante 100% dessas operações. É algo sem risco algum, de pai para filho.

Enfim, o maior pepino que está exatamente na origem dessa crise continua lá, com casca grossa e com nenhuma iniciativa firme para descascá-lo. O problema está sendo empurrado com a barriga.

Curiosamente, Obama raramente remete a origem da crise a seu antecessor, George W. Bush. E agora pretende reformular a regulamentação dos mercados usando de forma reordenada os mesmos agentes federais que não viram essa crise se formar.

O tempo está passando. Memória e paciência tendem a ser curtas.

Daqui a pouco, a crise será de fato uma crise do governo Obama.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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