Pensata

Fernando Canzian

01/07/2009

Lei da Gorjeta

DE NOVA YORK - Pasmo, leio que foi preciso um despertar da letargia corrupta de nosso Congresso Nacional para tentar reparar a injustiça que os donos de restaurantes no Brasil cometem há décadas.

É incrível que uma questão ética e distributiva em um país de salários aviltados como o Brasil tenha que se valer de lei para se fazer justiça. Vem aí a Lei da Gorjeta.

Fernando Canzian/Folha Imagem
Garçonete em NY explica à clientes as opções do menu. Na cidade, gorjetas variam de 10% a 20% e são importante fonte de renda
Garçonete em NY explica a clientes as opções do menu. Na cidade, gorjetas variam de 10% a 20% e são importante fonte de renda

Deveríamos sempre perguntar aos garçons, no Brasil, se o restaurante repassa a gorjeta a eles. Se a resposta for negativa, não acrescentar nada à conta. E dar os 10%, direto e em dinheiro, na mão do garçom.

E o Congresso que vá cuidar de coisas estruturais. Se é que ainda sabe fazer isso.

Projeto do deputado Gilmar Machado (PT-MG) aprovado em caráter conclusivo na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (vai direto ao Senado, sem votação em plenário entre deputados) prevê que os donos de restaurantes só poderão ficar com um quinto da gorjeta --que hoje muitos embolsam integralmente.

Pelo projeto, a fatia de um quinto (20%) recolhida pelo dono do restaurante sobre a gratificação total dada ao garçom seria usada para despesas com encargos sociais e previdenciários. Ok.

Mas a proposta já causa rebelião digna da turma descansada do famigerado "Cansei" de 2007.

Representantes dos "sofisticados" Antiquarius, Fasano, D.O.M. ("Et tu, homo modernus?"), Vecchio Torino, Jun Sakamoto, A Bela Sintra, La Tambouille e Figueira Rubaiyat, segundo relata a Folha, planejam contratar lobistas para tentar modificar o projeto no Congresso.

Pensam em duas alternativas: ficar com quase 50% da gorjeta do garçom ou ampliar a gratificação para 15%.

Pergunta aos ilustres "restaurateurs" brasileiros? Quanto pagam de gorjeta quando vêm jantar em Nova York? Em restaurantes muitas vezes superiores e mais baratos do que os seus no Brasil, onde a concorrência é pífia e os clientes, muitas vezes jecas endinheirados, deslumbrados diante de contas estratosféricas?

Existem vários estudos nos EUA sobre a importância social e financeira das gorjetas. Mães solteiras que trabalham como garçonetes em centenas de cidades norte-americanas só "fecham o mês" por conta delas. Qualquer estudante duro que já trabalhou como garçom ou bar man sabe a diferença que elas fazem.

Nos EUA, elas vão de 10% a 20%. Coitado do cliente que tomar uma cerveja de US$ 7 e não deixar US$ 1 para a pessoa do outro lado do balcão. Nova rodada, só no bar ao lado.

Os EUA são famosos pelo "tipping" (o ato de dar gratificações). E pelo mau humor de quem não o recebe. Mas é assim. "The deal": 10% ou 20% de quem está tendo prazer... para quem está proporcionando o prazer.

Pode-se questionar essa lógica.

Mas, no Brasil, ela é perversa: os 10% são cobrados. Ponto. E os donos do negócio querem agora, no mínimo, institucionalizar em lei a apropriação de quase a metade desse dinheiro.

Senhores, 10%?! Que país...

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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