Pensata

Fernando Canzian

06/07/2009

Emergentes saem na frente

DE NOVA YORK - A discussão de nove meses atrás sobre se as economias emergentes sairiam relativamente ilesas da atual crise global, cujo centro são os EUA e alguns países ricos, parece ter chegado a um veredicto.

Se não saíram ilesos e a crise não foi uma "marolinha", os emergentes parecem se recuperar da ressaca antes. Afinal, seus organismos estavam menos intoxicados do que o dos países ricos, que se embriagaram de crédito farto e insustentável por anos.

"Defeitos" como ser fechado à exposição do comércio internacional, ao crédito exagerado e a operações financeiras mais sofisticadas converteram-se afinal em virtude. Com menos de 3% de participação no comércio global, o Brasil, por exemplo, sofre menos do que uma Alemanha ou Japão, grandes exportadores.

Os três primeiros gráficos nesta página mostram como anda a atividade industrial no mundo. Na comparação entre o G3 (EUA, zona do euro e Japão) e o conjunto dos emergentes. A recuperação dos primeiros segue anêmica e incerta. Os emergentes já vão mais longe.

Entre os emergentes, são os asiáticos, com China à frente, que mais se destacam. O que ocorreu na China é notável. Já rodando com crescimento fortíssimo em 2008, o consumo teve aumento de 17% nos últimos 12 meses. E o investimento produtivo, de 46%. Tudo resultado do pacote de estímulo estatal de US$ 586 bilhões colocado em prática há alguns meses.

Entre os demais, a Europa do Leste e a América Latina não estão tão dinâmicas, mas bem melhor do que as economias ricas. O que demonstra, afinal, que a tese do "descolamento" da crise entre emergentes e desenvolvidos não era de todo incorreta.

O que estava errado era pensar que isso ocorreria logo de saída. E não a partir do ponto de inflexão na direção da recuperação.

O último gráfico desse bloco mostra a situação de EUA, zona do euro e Japão, o G3. A recuperação ainda não existe ou é pífia. No centro do problema estão os EUA.

Na semana passada, caiu como uma bomba sobre os otimistas o dado de desemprego nos EUA em junho: 467 mil demissões, 145 mil a mais do que o previsto. A Bolsa de Nova York desabou e voltou ao terreno negativo no ano. Já os mercados de Brasil (alta de 26% no segundo trimestre), China (25%) e Índia (49%) vêm ganhando consistência.

Nos EUA, o único "motor" hoje mais ativo são os gastos públicos, produto de um pacote de US$ 787 bilhões. Mas, ao contrário do da China, ele ainda não engrenou. De resto, os norte-americanos seguem altamente endividados, temerosos com o desemprego e com crédito restrito.

Com um PIB onde a participação do consumo é de 70%, fica difícil imaginar de onde virá o crescimento americano.

O quarto gráfico na página mostra a situação do mercado imobiliário nos EUA e no Reino Unido, onde a crise do setor foi mais forte. Os preços continuam a cair e os despejos, a subir.

A estabilização do mercado imobiliário é fundamental, pois as pessoas não apenas contraem dívidas dando suas casas como garantias (quanto menor seu preço, mais difícil pagar ou rolar o empréstimo) como os bancos continuam sofrendo perdas bilionárias com financiamentos em atraso.

O quinto e último quadro revela a situação do sistema de crédito, que continua travado nos EUA e na zona do euro, embora mostre alguma recuperação no Japão. Apesar dos pacotes bilionários nos EUA e Europa, os bancos continuam entupidos com papéis "tóxicos" gerados pelo colapso dos preços dos imóveis. Sem mais crédito, é impossível apostar no crescimento.

Arte Folha Online

Esse é, grosso modo, o quadro mais atualizado da economia global.

Ele nos oferece intrigantes perguntas: poderão os emergentes sustentar um crescimento decente no caso de os desenvolvidos permanecerem estagnados por um bom período? Qual será o peso dos países mais pobres na recuperação dos ricos?

A crise tem sido uma aula sobre o inédito contexto global. Embora inseridos nele, ainda apenas tateamos.

Vamos aprendendo.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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