Pensata

Fernando Canzian

13/07/2009

É bom, mas é ruim

DE NOVA YORK - A frase é atribuída a Tom Jobim: "Morar nos Estados Unidos é bom, mas é uma merda. Morar no Brasil é uma merda, mas é bom".

O mesmo pode ser dito sobre um aspecto importante da atual recessão norte-americana.

Há 15 anos os consumidores no país não poupavam tantos dólares como o fazem hoje. Muito provavelmente diante do medo da maior taxa de desemprego em mais de 25 anos: 9,5%.

Os EUA são um país diferente da maioria dos outros. Cerca de 70% de seu PIB (dez vezes maior do que o brasileiro) são gerados pelo consumo. Os imensos gastos das famílias produzem choques positivos em toda a economia.

Isso está mudando rapidamente. Neste momento de recessão, o aumento da poupança pode se converter em um tiro no pé na recuperação da maior economia do mundo. Mesmo que seja uma resposta consistente ao chamado do presidente Barack Obama por uma nova "Era de responsabilidade".

Nunca os norte-americanos deveram tanto em suas vidas, fato que está na origem da crise global. Esse endividamento equivale a cerca de 130% da renda disponível das famílias, o dobro do pico anterior, na década de 1980.

Com o temor do desemprego e afundadas em débitos, as famílias passaram a poupar mais. A rapidez com que a taxa de poupança cresce é impressionante, como mostra o quadro.

Reprodução

Hoje, a poupança das famílias equivale a cerca de 7% da renda disponível. As famílias poupam esperando dias piores ou para se livrar do fardo do endividamento.

O que seria saudável em momentos de crescimento econômico é um forte componente negativo nesta recessão.

O consumo nos EUA cresceu ininterruptamente 19% nos sete anos anteriores ao agravamento da crise, em setembro 2008. Subiu apoiado nas dívidas que as famílias agora tentam pagar com mais poupança.

Nos últimos dez meses, os piores da crise, o consumo encolheu só 2%. Isso revela que ainda há grande espaço para novos recuos, especialmente quando as famílias pretendem poupar mais.

Se a taxa de poupança nos EUA passar de 7% para 8% (muitos acreditam que ela ainda possa dobrar no médio prazo), cerca de US$ 860 bilhões por ano deixarão de entrar nas caixas registradoras de lojas, supermercados e revendas de automóveis.

Isso retirará de circulação o equivalente a 10% dos gastos dos consumidores (que respondem por 70% do PIB).

Mesmo com uma poupança mais modesta, de 8% da renda disponível, ainda assim demandariam cerca de quatro anos para que as dívidas das famílias voltassem ao patamar de 2002.

Claro que se a poupança for maior as dívidas terão queda mais rápida e acentuada.

Assim como toda a economia.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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