Fernando Canzian
Obama sente o tranco
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DE NOVA YORK - Há mais de meia década os desempregados norte-americanos não levavam tanto tempo para encontrar uma nova ocupação: 171 dias, em média.
Nesta recessão, cerca de um terço dos 14 milhões de desempregados no país estão há 190 dias fora do mercado. É mais de meio ano. São os chamados "desempregados de longo prazo".
Quinze dos 50 Estados norte-americanos já apresentam nível de desemprego maior do que 10%.
Somados os trabalhadores em ocupações precárias (que trabalham só três dias na semana, em média), o desemprego norte-americano sobe a 20%, um recorde absoluto. Na Califórnia, onde estourou primeiro a "bolha imobiliária", a taxa é de 25%.
Se não existe ainda muito consenso sobre se os EUA estão ou não saindo da recessão, há uma forte concordância sobre um aspecto dessa crise: serão necessários anos para que os EUA voltem a ter o chamado "pleno emprego" que marcou parte do governo Bill Clinton (1993-2001).
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"Afundado em dívidas de cartões de crédito?", pergunta anúncio |
A razão disso está no fato de empresas gigantescas terem desaparecido ou passado por forte encolhimento.
No primeiro caso, o exemplo mais gritante é o do setor de eletroeletrônicos. Há um ano, os EUA tinham três gigantes varejistas na área, Best Buy, Circuit City e Comp USA. Sobrou a primeira. Só a Circuit City fechou 567 lojas e demitiu 30 mil pessoas.
Outras companhias e setores também simplesmente ficaram bem menores pelo caminho. Caso de General Motors e Chrysler. Nas 3.089 revendedoras de veículos das duas montadoras que estão sendo fechadas, 190 mil empregos vão desaparecer.
A lista e os números são imensos. Da área financeira à alimentícia, dos serviços ao setor industrial.
Infelizmente para os norte-americanos, eles não estão perdendo somente seus empregos. Mas continuam afundados em dívidas recordes e ainda perdem suas casas em ritmo incrível pela falta de dinheiro para pagar financiamentos adquiridos nos últimos anos.
Não por coincidência, enquanto o desemprego e o desalento entre quem procura trabalho cresce, a popularidade do presidente Barack Obama já apresenta rachaduras. Neste mês, pela primeira vez desde a posse em janeiro, a taxa de aprovação do presidente caiu abaixo de 50% em alguns Estados norte-americanos.
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Anúncio no "NYT" mostra casas que podem ser compradas por US$ 89.000 (R$ 170.000) |
Na média nacional, segundo o Gallup, o descontentamento com Obama passou de 12% para 36%, um salto de 24 pontos em seis meses. Também não por acaso, o total de norte-americanos que dizem ser "insatisfatória" a situação atual da economia pulou de 29% em janeiro para 46% em julho.
Desde a posse, Obama abraçou com ímpeto várias causas e atacou diferentes fronts.
Na área econômica, tentou uma série de medidas para ajudar os bancos a se livrar dos chamados "ativos tóxicos" (produto da crise dos financiamentos imobiliários) e estancar o número absurdo de ações de despejo. Nenhuma das duas iniciativas teve o efeito esperado.
Os "ativos tóxicos" continuam sentados nos bancos e 1,9 milhão de ações de despejo foram registradas no país no primeiro semestre do ano.
Mas a maior tacada de Obama foi a aprovação de um pacote de US$ 787 bilhões para investimentos públicos em dezenas de áreas. Só agora ele começa a engrenar. Mas o próprio governo reconhece que apenas 150 mil empregos foram criados ou poupados desde fevereiro por conta desses gastos. Em contrapartida, outras 2 milhões de vagas desapareceram desde então.
Na semana passada, em visita a Michigan (onde fica Detroit e as sedes de GM, Chrysler e Ford), Obama foi recebido com uma dose inédita de hostilidade nos editoriais dos principais jornais do Estado.
Como resposta, pediu "paciência". Mais de uma vez.
E apontou o dedo para os republicanos de George W. Bush: "Adoro essas pessoas que ajudaram a nos meter nessa enorme confusão e que agora, de uma hora para a outra, dizem: 'Bom, essa é a economia de Obama'", discursou.
Bush é passado e Obama quis a Presidência. Escolhas e caneta agora são dele.
Paciência.
Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.