Pensata

Fernando Canzian

22/07/2009

Sangue novo e esclerose

NOVA YORK - Uma das exposições mais interessantes em cartaz em Nova York, no Moma, é sobre o conceito comunista chinês "Wu jin qi yong". Em português, "Não desperdice".

Trata-se de uma instalação no principal museu de arte moderna da cidade dos objetos guardados durante a vida inteira por uma senhora chinesa, reunidos e transportados para os EUA por seu filho, Song Dong.

Neste link pode-se ver um pouco do que se trata (quem estiver sem tempo, basta assistir o trecho final do vídeo). Há de tudo entre as milhares de coisas entesouradas durante um longo período de privações na vida de Zhao Yuan, a velha senhora. De tubos de pasta de dente usados a bonecas sem cabeça e retalhos de panos a aparelhos de TV quebrados.

Zhao é um pequeno exemplo do que ocorreu com a China nas últimas décadas, em contraste com o que vinha acontecendo na ainda mais poderosa economia do mundo, os EUA. Enquanto os chineses pouparam, os norte-americanos (consumidores e governo) gastaram além de suas possibilidades.

A hora da conta chegou.

Nesta semana, o premiê Wen Jiabao anunciou que a China vai às compras. O país tem acumuladas reservas equivalentes a US$ 2,132 trilhões, as maiores do mundo. E quer gastar uma boa parte delas comprando empresas, inclusive norte-americanas.

Entre 2002 e 2008, as compras ou fusões de empresas chinesas com estrangeiras já vinham crescendo a um ritmo médio anual de 51%.

Na lista de julho das 500 maiores empresas mundiais compiladas pela revista "Fortune", a China figurou pela primeira vez com 37 companhias (contra 28 no ano passado e 8 há uma década). Já o total de norte-americanas caiu a 140, o menor já registrado.

Na lista da "Fortune", 25% das companhias ainda são dos EUA. Mas os chineses já têm 7%, sendo que 3 delas figuram entre as 20 maiores em receitas totais.

Neste ano, a China deve crescer cerca de 8%. Os EUA, encolher 2,5% ou mais.

Enquanto a China vem baseando o grosso do seu crescimento em uma forte industrialização, os EUA vão ficando cada vez mais dependentes de seu consumo (e crédito) para crescer.

Segundo o Banco Mundial, com a exceção da França, os EUA são hoje o país onde a atividade industrial menos contribuiu para o crescimento do PIB: 13,9%, quatro pontos percentuais a menos do que há uma década.

Na atual recessão, o corte de 14% nos empregos industriais nos EUA é três vezes maior do que a média de todos os setores.

O colapso das duas ex-gigantes do setor automobilístico no país, General Motors e Chrysler, assim como o de outras indústrias, é um sinal inequívoco dessa esclerose.

*

Dando continuidade à sua ambiciosa agenda, o presidente Barack Obama luta para aprovar um pacote de US$ 1,5 trilhão a fim de universalizar o atendimento do sistema de saúde nos EUA. Para pagar a conta, quer mais impostos sobre quem ganha mais de US$ 250 mil por ano (R$ 39 mil por mês).

Para sua surpresa, Obama encontrou a resistência de dezenas de parlamentares de seu próprio partido, o Democrata.

Ocorre que o ex-presidente republicano George W. Bush deixou uma terra arrasada em seu caminho, atraindo para o Partido Democrata os eleitores mais ricos, que normalmente votavam no Republicano.

Dos 25 distritos mais ricos dos EUA, 14 são hoje representados por parlamentares democratas, contra apenas cinco até 1995.

Como em qualquer lugar do mundo, eles agora não querem "ficar mal" com seus eleitores.

Reprodução

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Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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