Fernando Canzian
Feitiço trilionário
A conta da tentativa de saída da atual crise econômica global vai assumindo proporções gigantescas. E nada garante ainda que os trilhões despejados por essas medidas sejam suficientes.
Ou que não se tornem exatamente parte de um problema ainda maior.
O FMI acaba de divulgar um novo levantamento sobre o endividamento público dos países que integram o G20 (as 20 maiores economias do mundo). O quadro é assustador, principalmente entre os países ricos.
É o que os dois gráficos nessa página mostram. Tanto o déficit fiscal quanto o endividamento público bruto dos países mais ricos (linhas verdes) estão acima da média do G20 e são ainda maiores na comparação com os emergentes.
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O endividamento de um país é sempre comparado como proporção de seu PIB. Isso porque é o tamanho e a evolução do PIB que geram a receita tributária necessária para pagar dívidas.
Quanto maior a dívida em relação ao PIB, menos solvente vai se tornando um país. E, para continuar financiando esse endividamento cada vez maior, os investidores tenderão a pedir juros também cada vez maiores ao governo desse país.
Era o que acontecia no Brasil há alguns anos, quando a dívida pública era altíssima. O país tinha que manter os juros na lua para atrair investidores dispostos a correr o risco de bancar um governo rumo à falência.
Isso mudou no Brasil graças à política de superávits primários, que são, grosso modo, uma economia orçamentária que o governo faz para pagar sua dívida. E, assim, tentar reduzi-la.
O que o novo trabalho do FMI mostra é que nos países ricos, onde a crise é maior, o endividamento público está explodindo como resultado das políticas de gastos trilionários para tentar levantar suas economias. Coisas como o pacote de US$ 787 bilhões nos EUA.
Antes da crise, o endividamento público norte-americano equivalia a 63% do PIB. Hoje, é de 89%. Para 2014, é projetado em 112% do PIB. Quase US$ 16 trilhões.
Do mesmo modo que o Brasil foi obrigado a fazer superávits primários para diminuir sua dívida, o FMI projeta que os EUA terão de fazer uma economia anual equivalente a 4,3% de seu PIB (mais ou menos o que o Brasil vinha fazendo até 2008) para trazer o endividamento para a casa de 60% do PIB (nível considerado sustentável).
Detalhe: isso durante os próximos 20 anos.
O quadro não é muito melhor entre os países europeus. E absolutamente pior no Japão, onde o endividamento já equivale a 217% do PIB. O superávit primário necessário lá será de quase 10%.
Como comparação, o endividamento médio do G20 emergente está em 38,8% do PIB. No Brasil, onde há uma das dívidas públicas mais altas entre eles, deve fechar o ano em 70%, segundo projeção do FMI.
Para manter uma trajetória sustentável, o Brasil terá de continuar reservando o equivalente a 2% de seu PIB para pagar a dívida.
O maior risco daqui em diante é o feitiço dos gastos trilionários se voltar contra o feiticeiro.
Com a explosão do endividamento, investidores poderão começar a exigir juros maiores para financiar a rolagem dos débitos. Isso pode virar um pesadelo ainda maior caso existam no horizonte pressões inflacionárias, o que obrigaria os bancos centrais a subir ainda mais os juros.
Juro maior significa atividade econômica menor.
E era para combater justamente isso que os países ricos deixaram suas dívidas explodir.
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Charge da "The Economist" mostra funcionários do BC dos EUA dizendo
verem uma luz no fim do túnel; é o fogo saindo do nariz do dragão da inflação
Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.