Pensata

Fernando Canzian

07/08/2009

O futuro segundo Mantega

WASHINGTON - O ministro Guido Mantega (Fazenda) diz que o Brasil já cresce a uma taxa anualizada de 4% desde julho e que ampliou as reservas em dólares para US$ 211 bilhões, ante os US$ 205 bilhões de antes do agravamento da crise, em setembro de 2008.

Para Mantega, o Brasil "sai melhor do que entrou na crise".

O ministro acredita que países com grandes mercados como o Brasil saem favorecidos na comparação com as economias mais avançadas, que devem ter recuperação mais lenta. E que estão mais endividadas tanto do ponto de vista público quanto privado.

"Quem tiver mercado doméstico, vai bem. Quem não tiver, vai pastar um pouco", diz Mantega

Leia entrevista exclusiva concedida para a Folha a este repórter:

FOLHA - O sr. diz que o pior já passou para o Brasil. Quando o país voltará ao patamar anterior ao agravamento da crise?
GUIDO MANTEGA - Saímos dela, mas não resolvemos todos os problemas. Deixamos para trás as taxas negativas de crescimento e caminhamos com um PIB positivo. Reagimos e o mercado doméstico segurou o crescimento.

Daqui para frente, temos de resolver outras questões. Como alavancar o investimento, por exemplo. Mesmo no crédito, há questões a resolver. Pequenas e médias empresas estão em dificuldade. Por isso estamos viabilizando rapidamente os fundos garantidores.

Tudo isso vai levando à volta da normalidade, de modo que poderemos retomar taxas semelhantes às do passado. Mas é claro que não vamos voltar aos níveis anualizados de 7%.

FOLHA - No último trimestre antes do agravamento da crise, o Brasil crescia 6,8% ao ano e o investimento, 20%. Estava aquecido demais?
MANTEGA - Estava. Não o investimento, que estava ótimo. Mas a taxa de 6,8% estava aquecida. Tanto que estávamos tomando algumas medidas para dar uma segurada. Aí veio a crise. Voltar a 7% não é o nosso projeto. Mas a 4,5% ou 5% é perfeitamente factível.

FOLHA - O sr. tem alguma indicação de quanto o investimento produtivo cresce hoje?
MANTEGA - Está rodando baixo, mas tomamos medidas que ainda não surtiram efeito. Baixamos os juros para a compra de

equipamentos. O custo tributário está menor.

O investimento caiu mais de 20%, mas agora deve estar crescendo entre 1% e 1,5% ao mês. Com os estímulos que

estamos dando para as construções pesadas e leves e com os investimentos da Petrobras, isso estimulará outros investimentos em mais segmentos.

Todo o setor de construção vai voltar a investir, e é uma área que representa 50% da Formação Bruta de Capital Fixo (investimento).

Outro ponto é que os Estados estão investindo muito mais, com encomendas para metrô e outras obras de infraestrutura. Metade desses investimentos ocorrem devido ao espaço fiscal concedido pelo governo. Tudo dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal.

FOLHA - Em relação aos gastos públicos, principalmente o federal, muitos analistas já avaliam que o aumento da taxa de juros no mercado futuro sinalizaria a necessidade de apertar o torniquete mais à frente. O que o sr. tem a dizer?
MANTEGA - Isso é movimento especulativo ou projeção errada dos analistas, pois as contas públicas brasileiras estão absolutamente sólidas. Basta ver que no pior ano de crise mundial ainda conseguimos fazer um certo superávit primários (economia para pagar a dívida pública) e manter a relação dívida/PIB estabilizada.

Em 2010, quando economia e arrecadação voltarem a crescer, vamos voltar a uma situação mais confortável do ponto de vista fiscal. Enquanto na maioria dos países a dívida pública está crescendo, ela vai continuar caindo no Brasil, como vem caindo nos últimos anos. É a prova cabal de que nossa política fiscal é séria. Esses analistas vão quebrar a cara. Vão errar.

FOLHA - Que mundo sairá dessa crise? O sr. acredita mesmo que ela está chegando ao final ou pode ter a forma de um W, com recuperação e nova queda mais à frente?
MANTEGA - Não acredito na forma de W. Mas em um V tendendo a L. Os países estão na reta da recuperação, lenta e gradual, sem o quadro crítico que tivemos há poucos meses. Teremos agora o estímulo da recuperação de estoques (queimados na crise). Acredito que o governo aqui (nos EUA) continuará a fazer medidas anticíclicas e, com isso, não vamos ter uma recessão em W.

Mas o mundo que resulta dessa crise será muito diferente do anterior à ela. Não podemos mais contar com déficits em conta corrente nos EUA, que vão deixar de puxar o consumo mundial como antes. Os EUA vão querer exportar mais também. Isso significa que países como China, Índia e Brasil não poderão contar com o mercado americano. Vão ter de fazer superávits comerciais menores e, no futuro, acumular menos reservas.

Teremos de contar mais com o mercado doméstico. Quem tiver mercado doméstico, vai bem. Quem não tiver, vai pastar um pouco. Os desequilíbrios que haviam na área fiscal e comercial terão de ser suprimidos ou amenizados. É um novo mundo onde os países terão de estimular mais os seus mercados internos. E vão ganhar os países que têm população grande.

Vai perder o continente europeu, já envelhecido e que tem pouca expansão do mercado consumidor; e o Japão, já comprometido e que tem de conseguir a proeza de diminuir o nível de poupança. Nos EUA, em algum momento o país teria, como ocorre agora, de parar de viver às custas do financiamento de outros países.

Certamente a dinâmica mundial vai mudar. E os países que têm mais mercado, tecnologia e condições institucionais mais avançadas vão levar vantagem. Haverá uma realocação de capitais no mundo, já que eles sempre estão em busca de rendimentos maiores.

FOLHA - O sr. acredita, então, em uma onda de investimentos nos emergentes com capital dos países ricos, hoje sem alternativas internas?
MANTEGA - Exatamente. Uma tendência que já existia vai se acentuar agora. Por isso, o Brasil sai melhor do que entrou nessa crise.

FOLHA - O crescimento da chamada classe C no Brasil em detrimento da D/E foi acentuado por conta do aumento do crédito. O sr. vê o crescimento do crédito voltando ao mesmo patamar de antes da crise?
MANTEGA - Ele não vai voltar ao mesmo patamar e não precisa. O crescimento do crédito estava excessivo. Dois ou três anos seguidos de crescimento de 34% ao ano era muita coisa. É ótimo que a economia tenha mais crédito, mas vamos graduar isso. Vamos passar agora para um patamar de crescimento do crédito de 15% ao ano. Está de bom tamanho.

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Para quem tiver interesse, seguem informações sobre o Brasil (interessantes, mas em inglês) apresentadas por Mantega a investidores internacionais em Washington: Veja

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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