Pensata

Fernando Canzian

26/08/2009

Para o beleléu

O governo Barack Obama anunciou nesta semana que o deficit fiscal dos EUA vai engordar em US$ 9 trilhões nos próximos dez anos.

Deficits fiscais ocorrem quando o governo arrecada menos impostos do que gasta. E o governo Obama baterá um novo recorde nesse quesito.

Até 2019, a expectativa é que o deficit público praticamente triplique, para um total de US$ 17,5 trilhões. Coisa de mais de 12 PIBs do Brasil somados.

Neste ano, o governo prevê gastos 24% maiores do que em 2008. E arrecadação 17% menor.

O salto nas despesas visa tirar o país da crise em que está metido, com resgate a bancos e pacotes de obras. Mas ele é o maior desde que os EUA estavam metidos no auge da Guerra da Coreia, em 1952.

Já a queda na arrecadação por conta da crise é a mais elevada desde 1932, na Grande Depressão.

Os riscos embutidos no que os EUA estão fazendo com seu endividamento são assustadoramente graves. Só para 2010, por exemplo, 40% da receita prevista pelo governo para gastos correntes deve vir de empréstimos.

Quem financia isso? Países, empresas e pessoas que compram os títulos do Tesouro norte-americano.

Hoje, a taxa básica de juros nos EUA está entre zero e 0,25%, mas ela é maior para os investidores. Mesmo assim, mal cobre expectativas de inflação.

Não demorará para que os investidores (principalmente países como China, Japão e até mesmo o Brasil) passem a exigir juros maiores para financiar os EUA.

Uma saída clássica para reduzir o endividamento de um país é deixar que a inflação suba, pois ela corrói o valor dos débitos. E a inflação pode subir mais à frente nos EUA por dois motivos:

1) Os elevados gastos atuais podem pressionar a demanda por bens e serviços além da conta e jogar lenha na fogueira dos preços;

2) O endividamento recorde tende a enfraquecer o dólar. Um dólar mais barato compra menos produtos importados cotados em moedas que ficaram mais fortes. O preço dos importados sobe e pressiona a inflação.

O problema para os EUA é que dificilmente poderão tapear investidores usando a inflação contra sua dívida. Pois correm o risco de ficar sem financiadores para o seu enorme rombo.

Se a saída for aumentar juros para reter quem compra títulos do Tesouro, todo o ciclo de endividamento se agrava. Pois os juros maiores serão incorporados ao montante da dívida.

Metido nessa arapuca, será fascinante ver como Obama conseguirá manter uma de suas principais promessas de campanha: não aumentar impostos para famílias com renda até US$ 250 mil ao ano (cerca de R$ 38,5 mil ao mês).

Se fizer isso no meio da atual recessão e desemprego elevado, sua popularidade, já em queda, vai para o beleléu rapidamente.

*

No mesmo dia em que anunciou o aumento trilionário do deficit, o governo Obama decidiu manter Ben Bernanke por mais quatro anos na presidência do Fed (o BC dos EUA).

Estudioso da Grande Depressão, Bernanke tem sido ousado nesta crise nas medidas trilionárias para evitar o pior. Seus críticos dizem que ele deveria ter feito o mesmo quando assumiu o cargo, no início de 2006, indicado por George W. Bush.

A "bolha" imobiliária e financeira que gerou esta crise também cresceu e estourou sob seu olhar impassível, tido por muitos como "cara de paisagem".

Reprodução
Ben Bernanke em três momentos, lembrados pelo "Wall Street Journal": em abril de 2008, quando o Fed salvou o Bear Stearns; em julho do ano passado, com a crise piorando; e nesta semana, após ser indicado por Obama.
Ben Bernanke em três momentos, lembrados pelo "Wall Street Journal": em abril de 2008, quando o Fed salvou o Bear Stearns; em julho do ano passado, com a crise piorando; e nesta semana, após ser indicado por Obama.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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