Pensata

Fernando Canzian

10/09/2009

O dólar furado

Os mais velhos ou os que gostam de um bom "faroeste espaguete" talvez conheçam "O dólar Furado" ("Un dollaro bucato", de Giorgio Ferroni, lançado em 1965).

O ator Giuliano Gemma é um soldado que retorna da guerra e descobre que seu irmão se transformou em um pistoleiro chamado "Black Jack", e a história prossegue.

Mas o ponto aqui é que Gemma leva um tiro na altura do coração em um determinado momento. Mas é milagrosamente salvo: a bala acerta uma pesada moeda de um dólar que ele tinha no bolso. Daí o título do filme.

Reprodução

Nas últimas décadas o dólar sempre foi sinônimo de força e de reserva de valor no mundo. E uma importante arma financeira para os EUA, já que são o único país detentor da máquina para imprimir as verdinhas.

Isso permite aos EUA se financiar à custa dos outros. Pois vendem títulos denominados em sua moeda a investidores em busca de remuneração ou segurança.

A remuneração nunca foi lá essas coisas, pois os juros pagos pelo Fed (o BC dos EUA) é historicamente menor do que o de muitos outros países, especialmente os emergentes. Mas a segurança do dólar sempre foi seu ponto forte, pois ninguém imagina que uma economia do tamanho da americana possa vir a quebrar.

Mais uma mudança trazida pela atual crise: o dólar vem batendo há algumas semanas recordes de baixa nunca vistos em relação a outras moedas. Na semana passada, pela primeira vez, era mais barato emprestar dinheiro em dólares do que em ienes japoneses.

Muitos investidores fazem isso para ganhar muito dinheiro em outros países. Emprestam dólares nos EUA a um custo de 2,5% ao ano e aplicam o dinheiro em títulos do BC brasileiro, por exemplo, que rendem mais de 8%. Embolsam a diferença sem fazer força nenhuma. Antes, essas operações (conhecidas como "carry trade") eram feitas predominantemente com ienes japoneses.

Agora, o desvalorizado dólar vai tomando seu lugar. E há uma discussão cada vez maior, especialmente do lado da China (detentora de trilhões em investimentos em dólares), Rússia e outros países para a criação de uma nova moeda que substitua o dólar como reserva de valor. Até as Nações Unidas começam a falar no assunto.

Seria um novo e tremendo baque para o dólar e os EUA.

Por trás da forte depreciação, encontra-se o estado terrível da economia norte-americana nos dias de hoje. E seu forte endividamento. Quanto mais um país deve e quanto mais sua economia carrega prognósticos de incerteza, pior a situação de sua moeda.

Vide o Brasil antes da estabilização em 1994 com o real, quando nossa moeda (que já se chamou cruzeiro, cruzeiro novo, cruzado, cruzado novo, novamente cruzeiro e cruzeiro real) não valia nada.

*

Abaixo, um interessante quadro mostrando como se comportaram alguns dos principais investimentos no mundo na última década (entre jul.99 e jul.09). Os títulos do governo dos EUA e as ações na Bolsa de Nova York (denominados em dólares) estão na lanterninha entre os mais rentáveis.

O ouro brilha como a melhor aplicação. Desde abril passado, subiu 12% neste ano e esta semana bateu o preço recorde de US$ 1.000 por onça (31,1 gramas).

Isso apesar de toda a conversa e estresse com os rumos do mercado financeiro e de seus produtos sofisticados.

Mais um sinal de atraso da humanidade, que ainda entesoura um metal amarelo para fazer dinheiro.

Neste caso, até os faraós eram melhores investidores do que os sábios de Wall Street.

Divulgação

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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