Pensata

Fernando Canzian

14/09/2009

Parabéns, Wall Street

NOVA YORK - E a crise fez aniversário: 1 ano desde a quebra do banco Lehman Brothers e do início do que agora chamamos de "A Grande Recessão".

Nos últimos 12 meses, os governos estiveram tão ocupados em evitar um colapso ainda maior que mal tiveram braços para atacar os problemas de fundo, que originaram a crise.

Com o passar do tempo, e com a sensação de que o pior passou, é capaz que tudo fique como está. Até a eclosão de uma nova turbulência.

Alguns aspectos interessantes, entre muitos, ao final dessa efeméride de um ano.

Quem ganha:

1) Com a exceção do grande picareta Bernard Madoff, condenado à prisão perpétua por montar um esquema do tipo "pirâmide" que deixou centenas de investidores arruinados, ninguém mais de peso foi processado ou preso por conta da crise.

Já a conta do socorro, na forma de endividamento estatal recorde, será paga pelas atual e próximas gerações de contribuintes, especialmente nos EUA.

2) Os bancos nos EUA.

Considerados vilões da crise por terem emprestado em muitos casos até US$ 35 para cada US$ 1 que tinham em ativos, eles voltam a lucrar e a pagar bônus.

Saíram do buraco graças a US$ 230 bilhões injetados pelo governo no final do ano passado. E à caridade do dinheiro público a custo quase zero que tomaram do governo e emprestaram a empresas e pessoas em dificuldades mediante gordas remunerações.

Juntos, os cinco maiores bancos dos EUA (Bank of America, Citigroup, Goldman Sachs, JPMorgan Chase e Morgan Stanley) lucraram US$ 23 bilhões nos seis primeiros meses de 2009. E já reservaram US$ 61 bilhões para o pagamento de bônus a funcionários. É inacreditável, mas é quase o mesmo valor (só 20% a menos) das compensações pagas em 2007, um bom ano antes da crise.

3) Ganha ainda quem teve o sangue frio de não se desfazer de ações quando os mercados sucumbiram. Aos poucos, os preços dos ativos voltam a patamares pré agravamento da crise. O custo disso, porém, como sempre, será dividido por toda a sociedade.

É a eterna socialização dos prejuízos em benefício dos lucros de alguns.

Quem perde:

1) Em resumo a grande maioria, já que a lista seria enorme.

Principalmente nos EUA, onde as pessoas terão de conviver durante anos com o desemprego elevado (ele deve subir a 10% antes de começar a cair), possivelmente impostos maiores para bancar as ajudas estatais ao sistema financeiro e com um crescimento baixo (que reduz as chances de mobilidade social e sucesso).

2) O presidente Barack Obama.

Com o desemprego em alta, as ações de despejo nos EUA no patamar de mais de 300 mil ao mês e a economia em baixa atividade, a queda nos índices de aprovação de Obama nos últimos meses foi a mais rápida em tão pouco tempo para um presidente norte-americano na história recente.

No final de semana, em Washington, "dezenas de milhares", segundo a polícia local, fizeram a maior passeata contra Obama no National Mall, mesmo local onde cerca de 2 milhões se reuniram para saudá-lo na posse, em 20 de janeiro.

Por fim, o que vem pela frente?

É preciso levar em consideração que se toda a ajuda e endividamento estatais não tivessem sido adotados, as coisas estariam bem piores do que estão. A maioria (que perde mais) perderia ainda mais. Já que o desemprego e o desespero seriam muitos maiores.

A grande dúvida, daqui em diante, é se serão de fato adotadas medidas restritivas e regulatórias para evitar um novo colapso.

Depois do susto, alguns bancos parecem estar agindo de forma mais responsável (exceto na questão dos bônus).

O Goldman Sachs, por exemplo, já reduziu de US$ 24 para US$ 14 o total de empréstimos garantidos para cada US$ 1 que tem em caixa. Isso reduz muito o risco de quebra, mas ainda não se trata de uma exigência. Mas do resultado de um grande susto.

Passado um ano de crise, é esperar para ver. Como sempre.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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