Pensata

Fernando Canzian

21/09/2009

Nó global

NOVA YORK - Os chefes de Estado das maiores economias do mundo participantes do G-20 têm encontro marcado nesta semana em Pittsburgh, nos EUA, para discutir assuntos pendentes trazidos pela "Grande Recessão".

A crise aos poucos perde sua força. Mas deixa, além de milhões de desempregados (quase 10% nos EUA), uma série de megadesafios pela frente.

Os problemas centrais são:

1. As mudanças profundas que podem ocorrer nos EUA (e com o dólar) no mundo pós crise;

2. A forte dependência de economias exportadoras (asiáticas na frente) no mercado norte-americano;

3. O colapso do sistema bancário nos EUA.

As três questões estão intrinsecamente ligadas.

O dólar (ponto 1) é (ou era) considerado a principal moeda de reserva do mundo. Muita gente queria ter dólares guardados porque acreditava que os EUA não iriam "falir". Assim, em momentos de apreensão financeira, havia uma corrida para o dólar.

No início da atual crise, em setembro de 2008, foi isso o que vimos (mesmo estando os EUA no centro do problema).

Para que pessoas, bancos e empresas de outros países possam entesourar dólares, os EUA têm, necessariamente, que ter déficit em sua conta corrente. Isso significa, basicamente, gastar mais do que podem. Grosso modo, os EUA se endividam para que investidores de outros países tenham créditos a receber em dólares.

É isso o que vem prevalecendo ao longo dos últimos anos, com uma grande vantagem para as economias asiáticas e, de rebarba, para países como o Brasil.

Como o dólar e os EUA eram vistos como portos seguros, as economias asiáticas, principalmente (ponto 2), passaram a conceder agressivamente crédito aos norte-americanos. Grande parte do dinheiro era usado justamente para os EUA comprarem produtos da Ásia.

Ou seja, os vendedores financiavam os compradores. E acumulavam créditos a receber em dólares, além de um rápido crescimento industrial (já que tinham os EUA como grande e cativo mercado).

Mas, para viver além de suas possibilidades e comprar trilhões de dólares em produtos asiáticos, os EUA tinham de acumular déficits cada vez maiores e manter as taxas de juros dos financiamentos ao consumo baixas.

Isso foi possível porque os produtos que importavam (produzidos a baixo custo na China, especialmente) ajudavam a controlar os preços, mantendo a inflação sob controle.

Os juros baixos nos EUA estimularam mais e mais o consumo, inclusive "intramuros", levando milhões de norte-americanos a comprar casas financiadas que em outros termos jamais conseguiriam pagar.

Esse arranjo fez com que os EUA funcionassem como um grande banco (ponto 3).

O sistema bancário norte-americano aproveitou que milhões de investidores queriam aplicar em dólares para vender a eles uma série de produtos "exóticos". Como, por exemplo, papéis garantidos por milhões de dívidas imobiliárias que mutuários não tinham, na prática, condições de pagar.

Quando a chamada "bolha imobiliária" explodiu, trazendo uma vertiginosa queda nos preços dos imóveis e calotes generalizados entre os mutuários, todo esse encadeamento "lógico" ruiu.

O que o G-20 tem pela frente:

As economias asiáticas (especialmente China, maior credora individual em dólares no mundo) começam a desconfiar da capacidade dos EUA de honrar todo esse arranjo de endividamento no qual estão mergulhados.

Além disso, a Ásia não pode mais contar com o aumento do endividamento norte-americano. Se os asiáticos conseguirão dirigir sua produção para o mercado interno ou para outros países mediante financiamento a eles, também não sabemos ainda.

Do ponto de vista dos EUA, em vez de um colapso do dólar (que se desvaloriza em níveis recordes dia a dia), o que vimos, por enquanto, foi a virtual quebra do setor bancário.

Os bancos no país só não faliram porque foram socorridos com mais dívidas, desta vez bancadas pelo Estado. O que só reforça o ciclo de endividamento dos EUA.

É esse o grande nó em que o mundo está metido.

Com os lucros empresarias se recuperando pouco a pouco (com corte de custos e empregos) será interessante observar os desdobramentos. Especialmente em um cenário onde o dólar se enfraquece rapidamente.

A vantagem do lado da maioria: desempregados e insatisfeitos não costumam votar em governos de plantão.

O risco é o de os atuais mandatários inflarem uma nova "bolha" para satisfazer a todos. Mantendo o poder e empurrando os problemas com a barriga.

Daí a repetição de crises, pequenas e grandes, nas últimas décadas de capitalismo.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

FolhaShop

Digite produto
ou marca