Pensata

Fernando Canzian

01/10/2009

Passando o bastão

ISTAMBUL - O FMI revisou um pouco para cima a expectativa de crescimento mundial e reduziu o pessimismo em relação ao Brasil. O Fundo está reunido nesta semana e na próxima em Istambul, na Turquia.

Mais do que os números, revisados a toda hora e sempre incertos, o que importa é entender como o mundo está saindo da crise. E se a saída é sustentável.

Sobre esse ponto, o FMI levanta dúvidas. E diz claramente que o mundo pode ter de enfrentar o que os gringos chamam de "double-dip recession". Ou seja, uma crise em forma de W --com queda, recuperação e nova queda mais à frente.

Nos países mais ricos e na China, a atual recuperação é completamente dependente do dinheiro público. Os governos estão se endividamento em níveis recordes no pós Segunda Guerra para lançar pacotes de gastos e investimentos (que cobrem desde a conta de seguro-desemprego a reformas de estradas).

Os EUA têm o seu de US$ 787 bilhões. A China, outro de US$ 586 bilhões. E por aí vai. O objetivo é criar ou manter empregos e fazer a economia girar. É isso o que está acontecendo, e o mundo vai saindo da crise. Por enquanto.

O problema é que é impossível aos governos se endividarem indefinidamente sem que haja uma explosão em suas dívidas e na confiança de investidores que compram seus títulos para financiar os gastos. Ainda é cedo para sabermos quando essa crise de confiança ocorrerá. Mas é um cenário cada vez mais próximo.

Como os gastos públicos não podem continuar para sempre, eles devem ser substituídos em algum momento pelos gastos privados, de consumidores e empresas. É como uma corrida de bastão, onde o bastão é o crescimento global.

O problema hoje é que o "corredor privado" pode não estar preparado ou fraco demais para receber o bastão do "corredor público". O bastão pode simplesmente cair no chão, fazendo retornar a recessão.

O FMI avalia que os consumidores (principalmente nos países ricos) ficaram "traumatizados" com a crise. Por isso, estão evitando gastar e passaram a poupar mais.

Já as empresas operam hoje com uma capacidade ociosa recorde. Ou seja, podem produzir muito mais produtos do que o mercado está comprando. Daí, devem continuar demitindo e cortando novos investimentos.

Outro problema: até aqui, boa parte da produção industrial e das compras de produtos feitas por lojas foram para repor estoques. Como todos esperavam o fim do mundo até meados do primeiro semestre de 2009, indústrias e comércio se concentraram em vender o que tinham na prateleira, esgotando seus inventários.

A partir de abril, mais ou menos, tiveram de repor esses estoques, aquecendo um pouco a economia. Segundo o FMI, esse ciclo de reposição também chega ao fim.

Infelizmente, os problemas não terminam aí. Os bancos também estão endividados como nunca e precisam levantar cerca de US$ 3 trilhões nos próximos dois anos para cobrir perdas e resgatar papéis vendidos no mercado.

Por isso, é de se esperar que também poupem mais e que não corram muitos riscos. Isso se traduzirá em menos financiamentos e crédito para consumidores e empresas (que, de resto, também estão sem apetite para gastar).

Para o FMI, só existe uma saída desse impasse: países com elevado nível de poupança (como China, Japão e Alemanha) terão de gastar mais e se tornar "compradores". Já os endividados (EUA, Reino Unido, Espanha) devem poupar e vender mais para fora.

Ou seja, será preciso um novo reequilíbrio global.

Há quase uma década se fala dessa necessidade. Até agora, isso nunca aconteceu.

*

E o Brasil? Felizmente, para o bem ou para o mal, a economia brasileira é ainda muito fechada nas relações comerciais com o resto do mundo. E pode depender de seu mercado interno para crescer.

O problema é se o dólar continuar fraco no país e estimular cada vez mais a importação de produtos baratos. Assim, neste reequilíbrio global, o Brasil pode acabar ficando ao lado dos "compradores".

O risco é enorme, pois temos um dos menores níveis de poupança do mundo.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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