Pensata

Fernando Canzian

05/10/2009

Gogó canarinho

ISTAMBUL - Depois da sede da Copa em 2014, o Brasil levou as Olimpíadas em 2016.

Ajudou também a aposentar o poderoso grupo de países do G7 em favor do emergente G20.

Agora, acaba de ganhar direito futuro a uma participação maior no FMI. E luta para, desde já e junto aos outros Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), ter poder de veto sobre as decisões relativas a um caixa de US$ 500 bilhões do Fundo Monetário Internacional.

Não conhecia a expressão, que me foi contada por colegas na última reunião do G20 em Pittsburgh (EUA). Nos bastidores, chamam as ambiciosas pretensões da diplomacia brasileira de "megalonanicas". É uma maldade relativa à estatura de seus principais diplomatas. Mas, do ponto de vista econômico, há uma certa razão.

O Brasil de Lula tem ganho uma projeção mundial que nunca teve. Isso é resultado de vários fatores e, não apenas, da megalomania (que pode ser inspiradora, mas também ridícula).

De fato, o Brasil é uma potência regional e tem uma economia estabilizada e promissora. Nunca estivemos tão bem do ponto de vista de quem vê o Brasil de fora. Quem mora dentro dele talvez não tenha a mesma opinião.

Mas é preciso considerar que, sozinho, o país ainda tem longo caminho pela frente.

O Brasil deve muito a Jim O'Neill, economista-chefe do Goldman Sachs, que inventou a expressão Bric (tijolo, em inglês) e juntou o Brasil às duas mais dinâmicas economias do mundo, Índia e China.

O país também ganha peso relativo à medida que as economias avançadas crescem menos. Mas é inconteste que essa união inteligente com Rússia, Índia e, principalmente, China serviu de muletas para um país de pernas ainda relativamente curtas.

Abaixo, uma tabela (improvisada) dos Bric na comparação com o mundo, segundo dados do FMI e do Banco Mundial.

Local: crescim. 2010 - PIB - pop. total.
Brasil: 3,5% - US$ 1,6 trilhão - 188 milhões
Rússia: 1,5% - US$ 1,6 trilhão - 145 milhões
Índia: 6,4% - US$ 1,2 trilhão - 1,1 bilhão
China: 9% - US$ 3,8 trilhões - 1,3 bilhão
Mundo: 3,1% - US$ 60 trilhões - 6,6 bilhões

É importante notar que os dois países mais dinâmicos do mundo hoje (China e Índia) têm também em seus mercados internos 36,3% da população mundial. O Brasil, 2,8%.

Em um mundo que, aparentemente, passará cada vez mais a depender do consumo interno (já que as grandes economias estão endividadas até o pescoço), a vantagem comparativa desses dois Bric é imensa.

O Brasil não está mal na foto. E é apropriado que esqueça mesmo o Mercosul (lembra?) e se alie a "gente grande" em suas demandas globais por reformas e mais voz. Apesar dos exageros de sua retórica firme e desafiadora, o Brasil vem se aproveitando bem disso.

No fim de semana, por exemplo, o ministro Guido Mantega (Fazenda) confrontou o FMI em discurso na sua principal reunião. Disse que o Fundo voltará "à sua irrelevância" e continuará "atormentado por dúvidas existenciais" caso não conceda de fato mais voz aos emergentes.

Nada parecido foi dito por seus colegas chinês, indiano ou russo, segundo os discursos distribuídos em inglês. É uma pena que a maioria de nós não possa ler jornais no difícil idioma desses três países.

Seria curioso comparar o gogó brasileiro com o dos demais.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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