Pensata

Fernando Canzian

12/10/2009

Apelando a Allah

ISTAMBUL - Além de Afeganistão, Irã, Iraque e Paquistão, uma pequena mas latente dor de cabeça vem entrando no radar dos Estados Unidos e de seu aliado Israel.

Candidata a entrar com plenos direitos na União Europeia, a Turquia vem dando sinais cada vez mais perceptíveis de uma tendência a se aproximar de outros Estados considerados "problemas" e voltados a um islamismo mais radical.

O mais recente ocorreu no fim de semana, quando o país eliminou Israel da lista de países que fariam um exercício militar de 11 dias em seu território. Israel e Turquia já foram considerados durante anos aliados estratégicos.

Outro: um dos maiores grupos de comunicação do país, o Dogan Yayin (7 jornais, 28 revistas e 3 canais de TV), estaria sendo perseguido pelo governo do partido AK por tê-lo acusado repetidamente de estar promovendo uma guinada conservadora e voltada ao "islamismo de Estado" no país.

Recentemente, o Dogan Yayin recebeu multa de US$ 2,5 bilhões por alegadas fraudes tributárias. Se não for revogada, a multa poderá eliminar boa parte dos negócios de comunicação do grupo.

Fernando Canzian/Folha Imagem
Bandeira da República da Turquia pendurada em uma das entradas da Mesquita Azul, a mais famosa de Istambul
Bandeira da República da Turquia pendurada em uma das entradas da Mesquita Azul, a mais famosa de Istambul

Mais um sinal: no mês passado, as autoridades turcas baniram do país o site de relacionamentos MySpace. Ele juntou-se a centenas de outros sites (inclusive o YouTube) que ficaram impossíveis de ser acessados a partir da Turquia ao longo dos últimos meses.

A Turquia é um país com divisão clara e constitucional entre o Estado e suas autoridades religiosas. Mas é impregnada pelo islamismo. Em suas maiores cidades, religiosos ou não são obrigados a ouvir alto e em bom som (e várias vezes ao dia) as preces que saem de poderosos alto-falantes dos minaretes das centenas de mesquitas.

O sistema secular no país foi fundado pelo modernizador Mustafá Kemal Pasha, que transformou os estertores do decadente Império Otomano em república democrática, em 1923. Pasha viria depois a ser conhecido como Atatürk (pai dos turcos).

Nos séculos 16 e 17, o Império Otomano foi um dos mais poderosos do mundo, ampliando território e poder principalmente após a tomada de Constantinopla (ex-capital do Império Romano do Oriente, ou Bizantino, e hoje Istambul) em 1453.

Sua decadência é associada ao fato de os seguidores do islã no Império Otomano terem demorado a perceber os avanços dos "infiéis" cristãos no mundo Ocidental. E, depois, de terem perdido preciosos anos considerando se poderiam ou não, pelas leis do sagrado Corão, copiar as técnicas e táticas militares desses mesmos "infiéis" já que o objetivo último era derrotá-los...

A Turquia parece muito longe de uma guinada radical ao "islamismo de Estado". Mas os oposicionistas veem uma estratégia firme do hoje cada vez mais pio e poderoso AK em envolver numa cortina de fumaça religiosa os principais problemas do país, sobretudo os econômicos.

A propósito, o PIB da Turquia deve sofrer uma contração de 6,5% neste ano. Isso depois de ter crescido menos de 1% em 2008.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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