Fernando Canzian
Poeira baixando
NOVA YORK - Uma renovada onda de euforia se forma mais um vez nos mercados financeiros.
Desta vez, há sinais consistentes de que a produção industrial e os pedidos das lojas crescem não só na maioria das economias maduras. Isso também ocorre nos EUA, epicentro de uma crise que muitos acreditam ter ficado para trás.
Com a poeira da crise ainda assentando após 13 meses, já se pode distinguir (e acompanhar) pelo menos dois vetores para um futuro ainda incerto.
1) O mundo nada em dinheiro:
Foi o FMI quem recomendou (e os países seguiram) a enxurrada de dinheiro público e de incentivos fiscais concedidos em 2009. A maioria dos Bancos Centrais também cortou juros, barateando mais o dinheiro, o que incentiva gastar mais.
Há, portanto, dinheiro à rodo no mercado. Não exatamente na mão de quem precisa, mas, principalmente, entre bancos e grandes empresas. São esses entes do mercado os maiores beneficiários do sistema montado para acabar com a crise.
Os BCs emprestam dinheiro a juro quase zero para que os bancos repassem essa capital na forma de empréstimos a terceiros e, no caso das empresas, garantem muitas das emissões de títulos para levantar caixa (especialmente nos EUA).
Como a economia dos países avançados ainda roda muito abaixo do potencial (a capacidade ociosa em vários setores ainda é recorde) esse dinheiro todo não vai necessariamente para produção, investimentos ou consumo.
Se dinheiro não pode ficar parado, onde ele se encontra, então?
Muito provavelmente nos mercados de ações, commodities e outros investimentos, como ouro. É isso o que explica a recente e grande valorização de todos os preços de ativos. É a velha oferta e procura: pouco ativo para muito dinheiro.
Em português claro: parece que estamos diante de mais um "bolha".
2) Venda final ou estoques?
O sinal da produção industrial é mais animador, já que estamos falando de "produtos" e "coisas" como carros sendo fabricados e comercializados, não de papelório financeiro. É um ponto positivo que também ajuda a acelerar a valorização dos mercados, já que muitos esperam lucros maiores no futuro.
Mas é preciso ter em mente que boa parte dessa produção maior ainda é reposição de estoques.
Exemplo do que pode estar acontecendo, já que no lado do consumo final os dados (nas economias ricas) ainda não são tão positivos:
Uma indústria fabrica 100 geladeiras por mês destinadas a uma loja específica. Essa loja vê um pequeno aumento na demanda (reprimida há meses por conta da crise) e, por estar com os estoques muito baixos e ter medo de ficar sem o produto, pede 120 geladeiras para o mês que vem. A indústria toma nota e, pensando se tratar de um real aumento da demanda, compra matérias primas para produzir 140 geladeiras.
O resultado é que indústria e loja podem acabar mais uma vez com excesso de matérias primas e geladeiras em seus estoques caso os consumidores não apareçam no fim da linha. Serão, portanto, obrigados a cortar produção e custos, o que normalmente significa desemprego. Que aliás, não parou de subir (sempre falando dos países ricos).
São, de fato, duas visões bem mais pessimistas do que a média.
Mas, no mundo avançado, a crise parece ter sido grande demais para acabar bruscamente. Sobretudo em meio a uma euforia.
Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.