Pensata

Fernando Canzian

23/04/2010

Beco sem saída

WASHINGTON - Em julho de 2008, conheci com um misto de incredulidade e surpresa uma das praias mais lindas que já vi na vida. Chama-se Comporta e fica no Alentejo, em Portugal. Está a pouco mais de uma hora ao sul de Lisboa, numa região banhada por águas represadas (daí o nome), plantações de arroz e cegonhas com seus ninhos enormes construídos sobre casas e postes.

Além dos quilômetros de praias vazias, largas e lindas de areia branca e ondas fortes, o que mais me impressionou na época foi a quantidade de empreendimentos imobiliários à venda para a classe média portuguesa e europeia.

Havia centenas deles. Ao desembarcar de um ferry boat vindo de Setúbal, chegava-se a um canto de praia que parecia um mundo em construção. Com a paisagem dominada por guindastes, prédios ainda inacabados, trabalhadores e caminhões circulando furiosamente na área.

Uma grande ilusão.

Depois da Grécia, o mercado financeiro internacional se volta para Portugal como "bola da vez" da crise de endividamento do mundo rico. A origem é a mesma que assolou os EUA, a Irlanda, o Reino Unido e outros tantos países: passos maiores do que as pernas, materializados em dívidas recordes.

A dívida pública grega equivale hoje a 113% de seu PIB, e o país tem um dos déficits fiscais mais altos do mundo, de 12,7% do PIB. Isso significa que a Grécia teria de usar mais do que todas as riquezas que produz em um ano (cerca de 240 bilhões de euros) para zerar seu endividamento; e que arrecada em impostos quase 13% a menos do que gasta.

Portugal está um pouco melhor, mas não muito. Irlanda e Espanha também não.

O que todos esses países têm em comum, além das dívidas, é que passaram por um frenesi de desenvolvimento insustentável nos últimos anos.

Com o advento do euro como moeda comum na região, muitos investidores ofereceram dinheiro barato a eles. Calculavam que a União Europeia e seus membros mais ricos (como Alemanha e França) segurariam as pontas em caso de crise e que, de uma certa maneira, a prosperidade europeia estaria garantida pelo mercado comum.

Os países morderam a isca. Embalados pela oferta descomunal de dinheiro, governos e famílias foram às compras, não para sair da miséria como em muitos países emergentes. Mas para gastos insustentáveis, principalmente no setor imobiliário.

É a conta dessa farra que chegou.

Na sexta, o mundo assistiu a uma cena constrangedora. Só faltou ao primeiro ministro grego, George Papandreou, ficar de joelhos ao pedir 45 bilhões de euros à União Europeia e ao FMI. "A Grécia é um navio afundando", disse com o azul do Egeu ao fundo.

A Grécia afunda e os outros países começam a fazer água porque precisam refinanciar montanhas de dívidas assumidas no passado. O mercado está disposto a isso, mas quer juros cada vez mais elevados _colocando-os em um beco sem saída.

Com a atividade europeia no chão (a região deve crescer só 1% em 2010, contra 3% nos EUA, por exemplo), os países contarão com poucos recursos de impostos para pagar o que já deviam. O que dizer de uma dívida que engordará rapidamente se tiverem de bancar juros mais altos?

Ao mesmo tempo, eles terão de cortar violentamente gastos públicos tanto para receber ajuda externa quanto para gerar dinheiro para as dívidas, deprimindo ainda mais suas economias.

Para romper essa armadilha, a única saída é o crescimento. No passado, esses países poderiam desvalorizar suas moedas e crescer exportando. Amarrados ao euro, isso é agora impossível. Daí a sombria perspectiva.

E o mercado é o mercado. Se as vezes baixa o porrete até em quem anda na linha, o que dirá dos que desfrutavam "con gusto" de algo além de suas possibilidades?

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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