Pensata

Fernando Canzian

16/05/2010

Bolsa, trabalho e a "mulher do Lula"

BREJÕES (BA) - Na primeira vez em que estive neste pequeno município baiano de Brejões, em fevereiro de 2007, os fazendeiros locais reclamavam que não estavam conseguindo trabalhadores em número suficiente para colher a safra de café.

João Wainer/Folha Imagem
Jucelina de Jesus Alves, que recebe R$ 134 do Bolsa Família e evita ter o registro em carteira
Jucelina de Jesus Alves, que recebe R$ 134 do Bolsa Família e evita ter o registro em carteira

Ou melhor, não encontravam trabalhadores dispostos a ter a carteira assinada, uma exigência cada vez maior dada a firme fiscalização que o Ministério do Trabalho vinha empreendendo nas fazendas locais.

A razão era simples: muitos temiam ter o registro em carteira e perder o benefício do Bolsa Família. Outros, em idade mais avançada, não queriam ser "fichados" (como se diz no NE) por esperarem se aposentar aos 60 anos (homens) ou 55 (mulheres) pelo regime especial da Previdência Social. O registro os tiraria dessa condição e eles teriam de esperar mais cinco anos para pendurar as chuteiras.

João Wainer/Folha Imagem
Aflânio Santos Silva largou a fazenda de café e agora vive vendendo cafezinho em um bar
Aflânio Santos Silva largou a fazenda de café e agora vive vendendo cafezinho em um bar

Na semana passada, voltei a Brejões, a 280 km ao sul de Salvador. Desta vez, para constatar algo surreal: muitos dos fazendeiros que antes lidavam com a falta de mão de obra desistiram do café e estão transformando suas fazendas em pastos.

Em vez de precisarem de até 200 pessoas por safra, podem administrar grandes quantidades de cabeças de gado com menos de dez peões.

Fazendas enormes que tinham até 1 milhão de "covas" (pés) de café estão passando por isso. O que se vê na região hoje são trabalhadores cortando pés de café secos que são vendidos como lenha para um curtume local.

João Wainer/Folha Imagem
Humberto Santos Sales corta pés de café de fazenda abandonada que já foi a maior em Brejões
Humberto Santos Sales corta pés de café de fazenda abandonada que já foi a maior em Brejões

Na semana passada, Raimundo Moreira de Souza, 56, fazia exatamente isso, empilhando lenha de pés de café em seu caminhão. Raimundo nunca teve a carteira assinada e não a quer, pois espera se aposentar daqui a quatro anos.

Próximo dali, a trabalhadora rural Juceli de Jesus Alves, 47, trabalhava ilegal em uma fazenda e estava com medo de ser "fichada" e perder os R$ 134,00 que ganha do Bolsa Família (ela tem 9 filhos, sendo 2 ainda pequenos).

Não seria justo culpar apenas os benefícios dados pelo governo federal (como o Bolsa Família e as aposentadorias especiais) pelo o que ocorre em Brejões e em outros locais do país. Há outros problemas, como o preço do café estacionado e a falta de financiamento rural.

Mas é certo que os benefícios sociais, neste caso, têm causado uma distorção tremenda no meio rural.

João Wainer/Folha Imagem
Trabalhadores carregam caminhões com troncos de pés de café que serão usados como lenha
Trabalhadores carregam caminhões com troncos de pés de café que serão usados como lenha

Caso do fazendeiro André Araújo, de uma das maiores fazendas de Brejões, a Campo Grande:

André diz precisar todos os anos de cerca de 200 trabalhadores rurais registrados. Tem conseguido no máximo 70. Isso faz com que não consiga colher todo o café que planta na hora certa. Cerca de 40% do produto acaba caindo no chão, de onde é recolhido, mais tarde, pelos trabalhadores.

Se tivesse o número certo de funcionários, poderia colher no pé quase 90% da safra. Isso faz uma diferença enorme, pois o café catado do chão (chamado "riado") perde muito da qualidade e é vendido a R$ 200,00 a saca. O colhido no pé valeria R$ 290,00.

Nos últimos três anos, André diminuiu de 1 milhão para 700 mil o número de pés de café para tentar colher mais do produto ainda no pé.

São problemas como esse que ao longo do tempo descapitalizam os fazendeiros. O próprio André pensa em transformar sua fazenda em pasto ou em plantar eucalipto, diminuindo drasticamente a necessidade de empregados.

É comum ver em Brejões dezenas de pessoas nas praças de braços cruzados durante o dia. A maior parte da renda da cidade vem do setor público, seja em salários ao funcionalismo, pensões a aposentados ou via o Bolsa Família.

O programa Bolsa Família é uma necessidade em um país de carências tão grandes como o Brasil. Custa pouco como proporção do PIB (cerca de 1%) e atinge 12,5 milhões de famílias. Ele também foi parte do "estopim" da atual onda de crescimento e ajudou muito a distribuir a renda.

João Wainer/Folha Imagem
O fazendeiro André Araujo diz precisar de 200 trabalhadores, mas consegue só 70 com carteira
O fazendeiro André Araujo diz precisar de 200 trabalhadores, mas consegue só 70 com carteira

No entanto, ajustar os aspectos negativos do programa, assim como seu efeito pró governo de plantão, se tornou algo inadiável.

*

Em Brejões, muitos desconhecem a existência de eleições presidenciais neste ano. Entre os que sabem do pleito, ignoram os nomes dos candidatos.

Caso de Juceli Alves, trabalhadora rural que achava que a eleição deste ano fosse para prefeito. Questionada se conhecia José Serra (PSDB) ou Dilma Rousseff (PT), disse que não.

E Lula? "Conheço demais. Pois não é ele que dá esse dinheiro para a gente?", disse, referindo-se aos R$ 134,00 que recebe do Bolsa Família.

Outros dois trabalhadores que dizimavam antigos cafezais, Arivaldo Oliveira, 29, e Claudio Silva, 21, afirmaram não conhecer Dilma. Mas dizem que pretendem votar "na tal mulher do Lula".

Ambos têm alguém na família beneficiário do Bolsa Família.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

FolhaShop

Digite produto
ou marca