Pensata

João Pereira Coutinho

03/03/2008

Chamem os enfermeiros

Por que motivo os atores são tão idiotas?

A pergunta está mal formulada. Os atores não são idiotas. São atores. Idiotas somos nós, gente da imprensa que concede espaço e oportunidade para que criaturas intelectualmente imaturas possam dissertar sobre os males do mundo. Sean Penn, Sharon Stone, Tim Robbins, Mia Farrow, George Clooney --a galeria é longa e não existe ator com pretensões de respeitabilidade que não surja aos nossos olhos com a "chave" para resolver os problemas da Terra. Do Iraque ao Afeganistão, sem esquecer o drama dos palestinos e as matanças no Darfur, tudo é simples na cabeça dessa gente. E quando seria de esperar que entrasse um enfermeiro em cena, pronto para remover o ator com uma camisa-de-força, a platéia aplaude a sabedoria do personagem e até pede bis de mãos erguidas.

Agora foi a vez de Marion Cotillard, 32, recentemente premiada com o Oscar pelo biopic de Edith Piaf, "La Vie en Rose". Que lástima. Dupla. Primeiro, porque Cotillard é de uma beleza e elegância extremas, como já não se viam na Hollywood adolescente e reles dos últimos anos. E, depois, porque a beleza e a elegância de Cotillard não a salvam da demência.

24.fev.2008-Paul Buck/Efe
A francesa Marion Cotillard levou o Oscar de melhor atriz por "Piaf - Um Hino Ao Amor"
A francesa Marion Cotillard levou o Oscar de melhor atriz por "Piaf - Um Hino Ao Amor"

Segundo o "Sunday Telegraph", Cotillard teria declarado a um programa radiofónico francês duas teses da sua lavra. Para começar, que os ataques de 11 de setembro de 2001 em Nova York foram uma fição; Cotillard não exclui que tenham sido os próprios americanos a detonar os edifícios, ou seja, e trocando em miúdos, a matar três mil pessoas por capricho.

E, depois, mademoiselle Cotillard acrescentou que talvez os americanos não tenham pisado a Lua em 1969. Ela assistira às imagens, sim; mas como garantir a veracidade das mesmas? Como garantir, no fundo, que a Lua não era cenário de cartolina?

Tradicionalmente, "teorias da conspiração" abundam na internet. De vez em quando, conseguem espaço em televisões ou cinemas para alegria de legiões de alienados. Mas não deixa de ser um estranho sinal dos tempos que uma atriz de cinema surja nas primeiras páginas da imprensa "séria" com delírios pessoais sobre o mundo. Sobre o mundo que existe na cabeça dela.

Moral da história? Tenho saudades dos grandes produtores da Era Dourada de Hollywood, que submetiam os atores do sítio a uma disciplina férrea. O próprio Scorsese, em filme recente ("O Aviador"), filmou uma sequência ilustrativa: quando o personagem de Howard Hughes, irado com as opiniões avulsas de Katharine Hepburn, dispara: "Mas quem você pensa que é? Você não passa de uma atriz!"

Na sala de cinema, lembro que a assistência riu com o despropósito da frase: como era possível mandar calar uma atriz, a encarnação terrena da Verdade e do Bem? Eu chorei. De gratidão. De nostalgia.

João Pereira Coutinho é colunista da Folha. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

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