Pensata

João Pereira Coutinho

17/03/2008

Em defesa do homem infiel

Os últimos dias foram bons para os moralistas. Eliot Spitzer, o governador democrata de Nova York conhecido por sua probidade moral, foi apanhado com as calças para baixo. Prostituição, a mais velha profissão do mundo. Ou, como diria Nelson Rodrigues, a mais velha vocação do mundo.

Melhor ainda: prostituição de luxo, o que não deixa de ser uma ironia cruel. Spitzer não foi apenas um entusiasta de legislação pesada contra a prostituição no seu estado. Ele foi um feroz e irracional opositor do "grande capital" e das "corporações financeiras" de Wall Street, que sempre lhe cheiraram a ganância, decadência e fraude. Pelos vistos, o problema do "grande capital" era não ser investido em meninas de 22 anos que fazem o serviço completo.

AP
Governador de Nova York, Eliot Spitzer, anunciou sua renúncia após escândalo sexual com prostituta Ashley Alexandra Dupre
Governador de Nova York, Eliot Spitzer, anunciou sua renúncia após escândalo sexual com prostituta Ashley Alexandra Dupré

Mas quem sou eu para julgar o homem? Eis o problema, leitores. Spitzer apareceu em público para confessar o seu "pecado" e dizer adeus ao cargo. A mulher chorava a seu lado. E o mundo aplaudia de gozo com a queda de um político, com a queda de uma família. Por amor de Deus, estamos na Páscoa. E, além disso, será preciso relembrar que um homem infiel é um homem em sofrimento?

Quando digo isso ao meu auditório feminino, há uma certa hostilidade no ar. Gritos. Desmaios. Ameaças de violência. E acusações pungentes de que sou um canalha. Não necessariamente por essa ordem, claro. Quando as coisas acalmam, eu saio de baixo da mesa e alguém informa que nas infidelidades de um homem só existe uma verdadeira vítima: a mulher. E, em caso de prole, os filhos. Nunca o homem infiel.

Nunca o homem infiel? Lamento discordar. A infidelidade masculina é das situações mais angustiantes e desgastantes para qualquer macho.

Começa por ser um desgaste físico evidente, sobretudo quando a idade avança. No espaço de poucas horas, é necessário fazer duas maratonas, ou três, ou quatro, sem que haja a mais leve suspeita de que o equipamento de corrida foi usado horas antes. É possível alegar cansaço nos primeiros tempos. Não é possível alegar cansaço todo o tempo.

Sem falar de desgaste financeiro. Um homem infiel é, por definição, um homem de dois orçamentos. Um homem infiel nunca paga um jantar. Paga dois. Uma jóia não é uma jóia. São dois anéis, dois colares. E se vocês acham que umas férias nas Caraíbas são o supremo sonho, desenganem-se: pagar duas passagens e dois hotéis arruina qualquer carteira. Agora multipliquem pelo número de amantes. É sempre a subir: três jantares, três anéis, três passagens, três hotéis. O mesmo homem. O mesmo desgraçado.

Mas o desgaste físico e financeiro não é nada quando comparado com o desgaste mental. Um pequeno demônio que ataca nas pequenas coisas. No esforço continuado para nunca trocar os nomes, por exemplo. "Querida, eu não disse Ana. Disse Joana. O que foi que você ouviu?"

E depois contamina as grandes coisas: a necessidade de elaborar planos para que as mulheres nunca se encontrem. Um homem infiel nunca vive na paz dos inocentes. Na paz da mulher enganada. Um homem infiel é uma agenda ambulante. Para ele, um dia não é um dia: é uma estratégia de batalha, com horários fixos e medos infantis de que a porta do elevador possa abrir na altura errada. O stress e a ansiedade são simplesmente intoleráveis.

E se vocês acreditam que Borges ou Kafka eram dotados de criatividade, lamento informar-vos: não existe romancista que se compare à fértil imaginação do homem infiel. Porque ele produz e reproduz mentiras oralmente. Não as registra. Não as escreve. Ele funciona como os antigos rapsodos da Grécia, que sabiam Homero de cor e salteado. Isso exige um esforço de memória torturante para não arruinar a narrativa oficial com caprichos, ou esquecimentos, momentâneos. Um homem infiel tem de ser coerente até à insanidade.

Entendo que o auditório sinta uma simpatia imediata pela mulher enganada. Mas assistindo à confissão pública do governador de Nova York, alguém deveria afirmar, de uma vez por todas, que quando um homem engana uma mulher, quem mais sofre, normalmente, é ele. Do princípio ao fim.

João Pereira Coutinho é colunista da Folha. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

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