Pensata

João Pereira Coutinho

21/07/2008

Vamos ser tolerantes?

Questão bicuda: a Alemanha tem 163 mesquitas para seus 3 milhões de muçulmanos. Mas 163 mesquitas não chegam. Informa a revista "Der Spiegel" que mais 184 mesquitas vêm a caminho, uma realidade que não agrada à maioria dos alemães. Os alemães não desejam a "islamização" do seu espaço público. E temem que as mesquitas sejam centros de propagação fanática ou de recrutamento terrorista.

Os confrontos já começaram. Em Lavingen, por exemplo, cocktails Molotov são recorrentemente jogados na mesquita da cidade. Em Hanover, opta-se pelo insulto verbal, com o dito "Terra christiana est", qualquer coisa como "Essa é terra cristã", escrito nas paredes do edifício.

Mas notável é a projetada mesquita de Colónia, que será a maior de toda a Europa, com seus 22 mil metros quadrados, 55 minaretes, uma altura comparável a 18 andares e, imagino eu, o inevitável chamamento para a oração que cobrirá toda a cidade com os dizeres do Corão. Como responder ao problema social que as mais de três centenas de mesquitas começam a representar para os alemães?

Um liberal clássico, para quem o Estado deve ser sempre neutro perante diferentes concepções do bem, dirá consequentemente que o Estado é também neutro em matéria religiosa. Se não existe uma religião oficial, então não existe nada que impeça os muçulmanos europeus de construírem as mesquitas que entenderem (desde que, obviamente, respeitem as leis do Estado). Sim, seria improvável que uma comunidade cristã, ou judaica, pudesse construir uma mega-igreja, ou uma mega-sinagoga, no centro de Teerã. Isso seria um pecado de morte, punível com a terapia conhecida. Mas a diferença entre as democracias liberais do Ocidente e as teocracias corruptas do Oriente Médio reside precisamente aqui: a tolerância é um dos mais preciosos frutos da separação entre o Estado e a Igreja, inexistente no Islã. Uma mesquita, uma sinagoga, uma igreja: tudo é igual perante um Estado confessionalmente neutro.

Eu simpatizo com os liberais clássicos. E não pretendo repudiar o dogma da neutralidade do Estado perante diferentes concepções do bem. Pelo contrário: gostaria de o ver reforçado. E a melhor forma de reforçar as virtudes liberais seria permitir a construção de uma mesquita, integrando-a plenamente na natureza diversa das cidades ocidentais. Nada de guetos. Nada de áreas especificamente islamizadas. Nada de tratamento especial. A permissão seria concedida se as autoridades islâmicas aceitassem que as suas mesquitas teriam como vizinhos imediatos uma sinagoga, uma sex shop, um café (para ambos os sexos), salas de cinema, livrarias, açougues (com todo o tipo de carnes), lojas de vinhos (bem fornecidas) e, uma vez por ano, a parada gay a desfilar à porta.

A tolerância é um valor crucial. Mas a tolerância termina perante a intolerância dos outros. Aceitar mais uma mesquita? Nada contra. Desde que a mesquita aceite tudo o resto.

João Pereira Coutinho é colunista da Folha. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

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