Pensata

João Pereira Coutinho

29/09/2008

O fim de John McCain?

da Folha Online

As eleições americanas são o maior espetáculo do mundo. Basta olhar para as pesquisas dos últimos tempos. Dois meses atrás, ninguém diria que McCain poderia ganhar. Eu próprio cheguei a falar com republicanos de longa data que confessavam, em voz baixa, que a vitória de Obama era praticamente segura. Exceto se houvesse um milagre.

E o milagre aconteceu. Em forma feminina. Sarah Palin, governadora do Alasca, ressuscitou as esperanças e fez McCain virar o jogo. Subitamente, os republicanos voltaram a acreditar na vitória e a América "popular" apaixonou-se por Palin. Eu vi, nas ruas de Nova York, Sarah Palin convertida em figura pop, sorridente em capas de revista ou lojas de moda.

Infelizmente, o milagre durou pouco e o entusiasmo foi arrefecendo, arrefecendo. Até estagnar. Há pelo menos uma semana que Sarah Palin não faz qualquer diferença nas pesquisas e os republicanos, temerosos de que a inexperiência da senhora pudesse fazer estragos e afundar definitivamente o barco, começaram a guardar a jóia da coroa dentro de gaiola dourada, impedindo entrevistas, declarações, exposições. Uma jornalista televisiva chegou a fazer piada a respeito, gritando em direto: "Por amor de Deus, libertem Sarah Palin!"

Mas Sarah Palin passou à história com a crise financeira que se abateu sobre a América e o mundo. De um dia para o outro, as pesquisas davam Obama novamente vencedor, com McCain a tentar segurar os estragos. E McCain bem tentou segurar os estragos, suspendendo a campanha e afirmando que adiaria o debate com Obama se o pacote de ajuda federal não fosse aprovado pelo Congresso.

O gesto melodramático não convenceu os americanos, que confiam mais em Obama em matéria econômica e, erradamente, atribuem à administração republicana as raízes da crise atual. Digo "erradamente" porque há duas ou três décadas que todas as administrações, republicanas ou democratas, interferem abusivamente no mercado, alimentando a irresponsabilidade de empresas financeiras, públicas ou privadas, para que concedam crédito em nome de uma perversa noção de igualdade sem sustentabilidade real.

É com todo esse "background" que devemos olhar para o primeiro debate. Quando McCain entrou em cena, ele teria de vencer inequivocamente Obama. Por dois motivos. Primeiro, porque as pesquisas são desvantajosas para ele a cinco semanas da eleição. E, segundo, porque política externa é seu habitat natural: como o próprio McCain disse em tempos, economia não é o seu forte e vencer o primeiro debate seria importante para enfrentar Obama nos temas mais "domésticos" dos próximos dois debates, onde o democrata leva vantagem.

Fatalmente, as notícias são negras para McCain. Duas pesquisas pós-debate atribuem a vitória a Obama. A pesquisa da CNN revela que 51% aplaudem Obama (contra 38% que preferem McCain). A pesquisa da CBS vai pelo mesmo caminho: 39% estão com Obama; 25%, com McCain; e 36% dizem que houve empate.

Pessoalmente, não concordo com as pesquisas. Assistindo ao debate, ponto por ponto, o resultado mais justo seria uma vitória tangencial de McCain. Ou, se preferirem, os candidatos empataram na primeira parte (crise financeira) e McCain venceu a segunda (política externa).
Empataram na primeira parte porque se limitaram a repetir as políticas econômicas dos respectivos programas sem responderem diretamente à questão fundamental: como enfrentar a crise? E, mais especificamente, que políticas estariam dispostos a cortar dos seus programas para acomodar o pacote federal de 700 bilhões de dólares?

Nenhum deles deu resposta convincente. Obama prometeu cortar gastos federais. McCain também. Em matéria fiscal, McCain quer impostos baixos e Obama, repetindo a ortodoxia democrata, promete aliviar a carga fiscal entre os mais pobres, taxando os mais ricos. Nada de novo. Nada de inspirador.

McCain virou o jogo na segunda parte. É o mais experiente em política externa e, ao contrário de Obama, o seu conhecimento é empírico. Obama quer retirada do Iraque com prazo definido. McCain sabe, e sabe bem, que definir um prazo só serve para empolgar os terroristas. Além disso, McCain também sabe que o aumento de tropas no Iraque trouxe avanços inegáveis à situação no terreno. Até Obama reconheceu o fato, semanas atrás, embora tenha mostrado certo "esquecimento" durante o debate.

McCain esteve igualmente certo nos dois temas quentes da política internacional: Rússia e Irã. Sobre a Rússia, McCain, ao contrário de Obama, soube reconhecer, desde o primeiro minuto, a natureza da agressão russa na Geórgia. Obama, no primeiro minuto, pediu contenção a ambas as partes. Patético.

Sobre o Irã, McCain recusa diálogo com Ahmadinejad sem pré-condições. Obama promete dialogar sem pré-condições, citando Kissinger como seu aliado teórico e hipotético. No final do debate, Kissinger enviou uma nota pessoal aos jornalistas para desmentir Obama. Vexame.

Moral da história? Não interessam os fatos. Interessa a percepção americana sobre eles. McCain foi incapaz de convencer os americanos. Provavelmente porque a sua vitória no debate não foi, como deveria ter sido, incontestável. E agora? Agora, sobram dois debates com temas internos. Dois debates onde, teoricamente, a vantagem está com Obama.

O primeiro debate presidencial pode ter sido o último para McCain. Ou, se preferirem, o princípio do seu fim.

João Pereira Coutinho é colunista da Folha. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

FolhaShop

Digite produto
ou marca