Pensata

João Pereira Coutinho

19/10/2009

O caso Maitê Proença

LISBOA - Acordo com telefonema de amigo indignado. Verdade. Tenho amigos indignados, mas prometo resolver o assunto em breve. "Viste o vídeo da Maitê Proença?", perguntou ele, como se a Alemanha nazista tivesse invadido a Polônia novamente.

Esfreguei os olhos, despedi-me do sono e procurei na memória o nome "Proença, Maitê". Após alguns segundos de esforço, encontrei um velho arquivo da minha adolescência. E respondi: "Mas que vídeo, rapaz?"

Ele explicou. A atriz Maitê Proença esteve em Portugal em 2007. Gravou um vídeo para o programa "Saia Justa", da Globo GNT. No vídeo, Maitê passeia pela terrinha e goza (no sentido português do termo) com a burrice dos lusitanos.

Os lusitanos não gostaram do vídeo. Lançaram petições na internet. Exigiram pedidos de desculpas, como se o Palácio do Planalto tivesse bombardeado o mosteiro dos Jerónimos.

Maitê entrou no baile e pediu desculpas: ela ama Portugal, ela ama os portugueses, ela jamais pensou em ofendê-los, e bla bla bla. De nada serviu. Os jornais e as televisões fizeram render o peixe e existem cartazes com o rosto de Maitê pela cidade de Lisboa, como no antigo faroeste. Invento, claro, mas vocês percebem a idéia.

E o vídeo? Acabei por assistir ao dito cujo, ainda em pijama, e pasmei com a insignificância do mesmo. Insultuoso? O único crime de Maitê Proença foi a sua incapacidade para produzir humor: com a exceção do momento em que a atriz brinca com o número de uma porta pregado ao contrário, o resto é infantil e entediante. Pena. Sempre gostei de piadas de portugueses. Dizem que nas piadas existe um fundo de ternura, ou de rebeldia: a atitude própria de um adolescente perante os avós conservadores e atávicos. Talvez.

Portugueses exigem retratação de Maitê Proença por piadas

Mas gosto das piadas de portugueses porque elas transportam, Deus me perdoe, um eco de verdade. Eu sei. Eu faço parte da espécie. Eu convivo diariamente com ela: com o atraso, a mesquinhez, a inveja. O provincianismo. E não existe português vivo que não tenha com Portugal essa mesma relação obsessiva, feita de crítica, sarcasmo e autofagia.

Eis o problema: se o vídeo tivesse sido feito por um português, os outros portugueses aplaudiriam. Bater na pátria é mais do que hábito; é a nossa identidade cultural.

Acontece que o vídeo foi feito por uma estrangeira. Pior: por uma brasileira. Um pormenor que altera o quadro. Duplamente. Primeiro, porque mexe com os seculares complexos de inferioridade dos portugueses: o brasileiro, como diria o Eça, pode ser um português dilatado pelo calor. Mas o Brasil é também um Portugal dilatado pela diversidade, pela riqueza e pelo gigantismo. Portugal em ponto grande. E com futuro.

Mas existe um segunda explicação para o ódio público: o vídeo de Maitê Proença foi apenas um pretexto, e um bom pretexto, para que o português típico pudesse descarregar os seus preconceitos típicos sobre os brasileiros. Esses preconceitos existem na sociedade portuguesa. E com a vaga recente de imigração brasileira mais pobre, pioraram e azedaram. Não vale a pena revisitar o cardápio de pensamentos funestos. Basta caminhar por Lisboa. Olhar. Escutar. As piadas sobre portugueses ainda têm piada. A xenofobia dos portugueses sobre os brasileiros não tem piada alguma.

Antes de assinarem petições ou pedirem a cabeça de uma atriz de novelas, os portugueses indignados deveriam perguntar seriamente quando foi a última vez que trataram um brasileiro como "ladrão" e uma brasileira como "prostituta". Tenho a certeza que a indignação passa depressa.

Veja vídeo

João Pereira Coutinho é colunista da Folha. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

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