Pensata

João Pereira Coutinho

16/11/2009

Os ensinamentos de Chávez

da Folha Online

LISBOA - Como evitar o tipo de "apagão" que paralisou o Brasil na última semana? Uma resposta possível foi dada por Hugo Chávez em reunião de ministros transmitida pela TV e reproduzida na internet.

Chávez é amigo do ambiente. E respeitar o ambiente implica mudar os hábitos dos venezuelanos e obrigar o povo a poupar luz nos gestos mais banais do cotidiano. Como, por exemplo, ir ao banheiro durante a noite. Ligar a luz é gasto desnecessário. Melhor usar lanterna para o efeito.

O conselho segue o essencial da filosofia paternalista de Chávez: seja luz ou seja água, a chave é não usar. Ou, pelo menos, reduzir. Não admira que o presidente tenha exortado igualmente os venezuelanos a tomarem duches de três minutos e a evitarem qualquer tipo de cantoria matinal debaixo de água. "Eu contei, três minutos, e não cheiro mal", disse o presidente, sem que possamos confirmar a proeza (falo do tempo, não do cheiro).

Temo, porém, que a idéia da lanterna noturna apresente problemas adicionais. Sim, confesso, ela é perfeita para pessoas com bexigas regulares. Mas o que fazer em casos extremos quando um pobre homem, algures pelos sessenta ou setenta anos, tem a próstata em mau estado e necessita de viagens constantes ao vaso sanitário? Pergunto: não será o uso maciço da lanterna, e das pilhas da lanterna, e da posterior reciclagem destas, uma despesa energética ainda maior para a Venezuela?

Sem falar de cidadãos com aparelhos digestivos frágeis, para quem o banheiro não é apenas uma necessidade; é uma dolorosa inevitabilidade. Como garantir que o venezuelano em situação de aperto tem tempo, disposição e clareza mental para procurar uma lanterna pela casa escura antes do desastre anunciado?

Chávez não pensou nas minorias. Mas pensou em tributá-las fortemente: se o recibo da luz sobe de um mês para o outro, o cidadão paga o dobro. Se volta a subir no mês seguinte, fica sem luz. Ao terceiro mês, provavelmente sem banheiro. Espero apenas que Chávez não proíba também as fraldas ou o penico. Quando os cidadãos são tratados como crianças, convém lembrar que as crianças não são anjos.

João Pereira Coutinho é colunista da Folha. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

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