Pensata

João Pereira Coutinho

19/04/2010

O curioso caso de James Cameron

Li e ri bastante a entrevista do diretor James Cameron às páginas amarelas da "Veja". Escrevi "diretor", mas estou a ser generoso. Cameron, de fato, dirigiu alguns filmes interessantes no século passado: os estimáveis "Aliens" ou mesmo "O Exterminador do Futuro". Bons tempos. Hoje, Cameron é o guru de uma igreja ambientalista que faz cinema para efeitos de propaganda. Um Michael Moore verde, em suma.

Cameron esteve no Brasil para participar no Fórum Internacional de Sustentabilidade, em Manaus. Diz a revista que sobrevoou a Floresta Amazônica, previsivelmente com reverência panteísta. E até pediu ao presidente Lula para não construir uma usina hidrelétrica no Xingu.

Eu nunca sobrevoei a Amazônia. Eu nunca estive no Xingu. Eu não sei se o Brasil precisa de uma usina hidrelétrica. Mas sei que James Cameron precisa de tratamento urgente. Com uma pose ridícula de iluminado espiritual, Cameron começa por lamentar a alienação dos homens modernos, cada vez mais afastados da natureza e do contato com os outros seres humanos.

James Cameron tem da natureza a mesma idealização romântica que os românticos do século 19. Como se a natureza fosse lugar protetor da nossa existência terrena: uma fonte de bondade que revitaliza os nossos espíritos tresmalhados. Valerá a pena desmontar essa falácia? Valerá a pena dizer que a natureza é uma força indiferente e brutal, sem qualquer dimensão ética?

Cameron discorda. Não sei se os milhares de passageiros retidos nos aeroportos da Europa por causa da natureza "benigna" de um vulcão concordam com Cameron. Duvido.

E também duvido da dimensão humanista de Cameron. O "diretor" lamenta que os homens estejam afastados uns dos outros. E culpa a tecnologia, a internet, as "redes sociais" por oferecerem simulacros de realidade.

Em teoria, sou capaz de concordar com Cameron. É por isso que uso a internet esparsamente e não frequento "redes sociais". Mas levar a sério uma condenação da tecnologia feita pelo mais adolescente entusiasta dela é como ouvir um discurso feminista pela boca de Osama Bin Laden. Um paradoxo.

Aliás, tudo em Cameron é paradoxal. A começar pela justificação da sua derrota no Oscar desse ano. Para Cameron, "Avatar" é tão visualmente deslumbrante que os membros da Academia não deram grande crédito à história. Infelizmente, a "Veja" não formulou a questão fundamental: "Mas que história, Padre Cameron?"

"Avatar", em termos narrativos, não se distingue dos clichês habituais sobre a ganância do "homem branco" e a grandeza moral de qualquer tribo indígena que desconheça o papel higiênico. Até o momento em que o "homem branco" se converte ao nativismo, usando folhas de árvore para o serviço e olhando com repugnância para a sua própria cultura "imperialista" e ocidental.

Não sei quantas vezes assisti a esse sermão. Mas sei que o sabor do refogado não se altera com temperos tecnológicos. "Avatar" é um exercício moralista e pedestre construído por um milionário californiano que jamais abandonaria os confortos da civilização "branca" e "imperialista" para se entregar à pureza das florestas.

João Pereira Coutinho é colunista da Folha. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

FolhaShop

Digite produto
ou marca