Pensata

Kennedy Alencar

15/10/2007

Novos trechos da entrevista com Lula

Na entrevista exclusiva que deu à Folha, publicada na versão impressa no domingo (14/10), Luiz Inácio Lula da Silva disse que o mais difícil para um presidente é tirar do papel os projetos e idéias do governo. "O que dá mais trabalho para um presidente da República é fazer as coisas acontecerem."

Contou que, ao lançar o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), no início deste ano, viu "que era preciso fazê-lo funcionar". "Na história do Brasil, as coisas são anunciadas e não acontecem", declarou. Segundo Lula, há marcos regulatórios "complicados" que não permitem ao governo executar suas propostas na velocidade desejada pela sociedade e a imprensa.

A entrevista a Folha aconteceu na última quarta-feira (10/10). Lula admitiu disputar novamente a Presidência da República, mas apenas em 2014 ou 2015, a depender da regra em vigor. As perguntas sobre o final da reeleição foram bastante objetivas. O presidente não falou em tese, como de costume. Indagado se apoiava a emenda constitucional em tramitação no Congresso que acabava com a reeleição, ele demorou um pouco a responder, mas respondeu. Apóia, sim.

Nesse sentido, está aberta a possibilidade de um acordo entre Lula e o PSDB para acabar com a reeleição. O petista tem ainda três anos e três meses de poder. O fim da reeleição, sem entrar no mérito de sua conveniência, só acontecerá se houver um acerto entre os principais interessados: Lula e dois caciques tucanos, os governadores e presidenciáveis José Serra (SP) e Aécio Neves (MG).

Por tópicos, seguem trechos inéditos da entrevista:

BANCOS

Ao falar de sua boa relação com o empresariado, disse: "De vez em quando, alguém tenta fazer uma piadinha comigo: 'Mas os bancos não estão ganhando muito?'. Sai mais barato ganhar muito. Sai muito mais caro quando perdem, porque aí tem de criar o Proer [programa que reestruturou o sistema financeiro em 1995, no governo FHC] e dar dinheiro público para eles. Quero todo mundo ganhando dinheiro neste país. Afinal de contas, somos um país capitalista".

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SEM ARREPENDIMENTOS

Em resposta sobre eventuais decisões das quais se arrependeria, Lula afirmou: "Difícil dizer que a gente se arrepende de uma decisão que tenha tomado ou não. As decisões são tomadas em momentos históricos e circunstâncias muito específicas. Naquele momento achava que era o correto. Depois de dois anos, pode achar que não era, mas lhe parecia correto naquele momento".

Também afirmou que está administrando com mais cobrança no segundo mandato: "Estou fazendo diferente no segundo mandato. Depois do PAC, decidi que todos os ministros deveriam apresentar a proposta da sua política até 2010. Alguns chamam de PAC, mas PAC é o PAC. O restante são políticas setoriais. Estou notando que os ministros estão infinitamente mais preparados. As coisas apresentadas a mim são extraordinárias. Estou cobrando e eles aprenderam mais".

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TV PÚBLICA

"É importante ter um canal público como todos os países desenvolvidos do mundo têm. Segundo, que ela seja neutra, pública realmente". Indagado se havia risco de a rede pública virar uma "TV do Lula, uma Lulanews", ele respondeu: "Não existe essa possibilidade até porque não gosto disso e porque não faz parte da minha formação política. Quero uma coisa para o público, não quero uma coisa para mim. Quero uma coisa que daqui a 30 anos esteja funcionando bem".

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INDICAÇÕES POLÍTICAS

"Vamos pegar o que fiz agora na questão dos portos. Tirei os portos do Ministério dos Transportes, coloquei não mão do ministro Pedro Brito, da Secretaria Especial dos Portos, e dei a palavra final. Não quero partido dentro dos portos. Chore quem chorar, doa a quem doer, resmungue que resmungar. Quero técnicos. Quero transformar os portos brasileiros, se não tão perfeita, quase próxima ao porto de Amsterdã."

A Folha perguntou se ele, ao tomar essa decisão, não admitia que a "ingerência política era negativa". Lula respondeu assim: "Não porque era negativa. Porque não era tão produtiva quanto eu queria que fosse. Agora, estou citando um setor delicado, um setor importante para o desenvolvimento do Brasil A democracia pressupõe participação dos partidos no governo".

O jornal insistiu na inconveniência do aspecto fisiológico, lembrando que ele entregara direções da Caixa e do Banco do Brasil a políticos. Foi citado o exemplo do ex-senador Maguito Vilela, do PMDB de Goiás, quje é diretor do Banco do Brasil.

"A direção da Caixa é escolhida por uma companheira, presidente da Caixa, que trabalha lá há 30 anos. A direção do Banco do Brasil é entregue a um presidente que é do Banco do Brasil. Nos bancos, 99% dos cargos são de carreira. Isso não impede que um ex-senador da república possa cuidar de uma parte, de uma diretoria, que se chama relação de governo. Quem melhor para lidar com prefeitos e governadores do que um homem que foi governador e senador da república?"

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PMDB

Lula disse que não fez aliança com o PMDB no final de 2002 porque ela "não estava madura". O então coordenador geral de sua campanha e futuro ministro da Casa Civil, José Dirceu, defendia a aliança. A Folha indagou se Lula errara ao não fazer essa aliança no primeiro mandato, já que a realizara no segundo. "Não aconteceu porque não estava madura. Não casei com a Marisa quando eu quis casar. Casei quando ela concordou em casar comigo. Aliança é assim também. O PMDB estava na aliança com o governo FHC, muita gente do PMDB não tinha amadurecido a idéia de vir para o governo."

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MOMENTOS DIFÍCEIS

"Vou lhe contar dois episódios. Faltava 15 dias para as eleições municipais de 2004, quando todos os meus companheiros pediam que eu intercedesse junto ao Banco Central para que ele não aumentasse a taxa de juros, eu disse ao Banco Central para fazer o que era preciso fazer. E ele aumentou a taxa de juros, faltando 15 dias para as eleições municipais porque eu tomei a decisão de que não era possível a gente brincar com a economia. Se você dá um passo em falso e comete um erro, às vezes, leva anos para consertar e, às vezes, não conserta. A construção do ajuste de 2003 foi muito sacrifício, penoso. É importante lembrar que no dia 1º de maio de 2004 não fui ao ato do Dia do Trabalhador porque não havia dado o reajuste do salário mínimo e, internamente, eu me sentia mal. Mas era preciso fazer isso para que a gente pudesse, no futuro, ter a possibilidade de recuperar o salário mínimo."

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POLÍTICA EXTERNA

"Outra coisa importante foi a decisão nossa de fazer uma mudança na política externa. Por tudo que eu conhecia da política externa quando dirigente do PT ou quando dirigente sindical, eu fui para Davos no dia 25 de janeiro de 2003, recém-empossado, eu comentei com o Celso [Amorim, ministro das Relações Exteriores]. Eu conversei: 'Celso, acho que a gente pode mudar a geografia comercial do mundo e não pode ficar a vida toda dependendo dos dois principais blocos do mundo, a União Européia e os Estados Unidos. É preciso que o se transforme numa nação que, primeiro, possa polarizar a política internacional. Segundo, temos tamanho territorial para isso, temos dimensão econômica para isso, temos competência política para isso e temos parceiros interessados em combinar conosco esse jogo. Vamos fazê-lo. Vamos tornar mais plurais as nossas relações políticas e comerciais que vai se abrir um campo enorme.' Tudo isso está permitindo que a gente possa vislumbrar uma colheita mais duradoura do que nós plantamos."

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MÁQUINA PÚBLICA

"De vez em quando, vejo as pessoas dizendo: 'Ah, tá contratando gente...'. O Dnit [Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transporte], que toma deste território imenso, tem um engenheiro para fazer projeto de ponte. Temos de contratar engenheiros, técnicos especializados. Ou as coisas não funcionam. Vamos entregar o Brasil para o meu sucessor em 2011 com dez universidades federais novas, com 48 extensões universitárias funcionando e com 214 escolas técnicas a mais. Isso pressupõe contratar professores, técnicos administrativos, contratar gente de ensino médio. Ou fazemos isso ou vamos ver o que saiu ontem (09/10) na reportagem: 'um preso custa em média R$ 1.500 por mês enquanto o trabalhador honesto ganha R$ 380, o salário mínimo'."

Kennedy Alencar colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

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