Pensata

Kennedy Alencar

10/07/2008

Gilmar Mendes errou

Atualizada em 11/07/2008, às 18h49

É equivocada a campanha aberta de congressistas e de ministros do Supremo contra as operações da PF (Polícia Federal). Eventuais abusos e excessos policiais devem ser apontados, combatidos e corrigidos. E as instituições do país vêm fazendo exatamente isso.

A Justiça Federal não aceitou os absurdos pedidos de prisão e de busca e apreensão contra a jornalista da Folha Andrea Michael. Ela revelou em primeira mão, no final de abril, a iminente operação contra Dantas. A PF e o Ministério Público extrapolaram. A Justiça não acatou.

O delegado federal Protógenes Queiroz convidou a Rede Globo a flagrar o ex-prefeito Celso Pitta de pijama. O ministro Tarso Genro (Justiça) e o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, instalaram procedimento interno e determinaram que o episódio não se repita --o estatuto interno da polícia diz que ela deve levar nas operações a sua própria equipe de filmagem. O ministro e o diretor-geral da PF cumpriram seus papéis institucionais. Se o episódio se repetir, como provavelmente acontecerá, que haja punição aos responsáveis. Faz parte do trabalho da imprensa buscar informações exclusivas e antecipar fatos.

Agentes da PF atuaram como trogloditas contra um dentista confundido com um doleiro. A repórter Laura Capriglione publicou os absurdos em detalhes na versão impressa da Folha com a competência de sempre. Esses agentes devem ser punidos. Atuaram como aquelas figuras abjetas da ditadura militar de 1964.

Para sorte da atual geração, o Brasil é um país que tem hoje instituições capazes de coibir e punir esses três exemplos de abusos e excessos. O Brasil está longe de ser um estado policial. Muito pelo contrário. A sociedade amadureceu.

Há uma imprensa livre que fiscaliza o poder. Existe liberdade de opinião para que deputados, senadores e setores da mídia defendam o banqueiro Daniel Dantas. O Brasil está cada dia mais próximo de um país em que ricos e pobres tenham seus direitos respeitados da mesma maneira. Hoje, isso ainda não acontece. Obviamente, os ricos não devem ter suas liberdades e garantias individuais ofendidas como vingança social para compensar o andar de baixo. Mas os mais ricos têm mais armas para se defender.

Com excelentes e caros advogados, Daniel Dantas não completou duas noites inteiras no xadrez. Numa decisão a jato, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, libertou o banqueiro, que deixou a carceragem da PF em São Paulo às 5h30 de hoje (10/07).

O ministro Gilmar Mendes é um homem sério, de fortes convicções e capaz de remar contra a maré. Isso merece reconhecimento e elogio. Mas ele exagerou nas críticas à Polícia Federal. E na opinião deste jornalista, errou ao soltar Dantas tão rapidamente.

Mendes acatou o habeas corpus dos advogados do banqueiro, considerando "desnecessária" a prisão temporária porque Dantas não poderia se transformar numa ameaça às provas colhidas pela PF na operação de terça-feira (08/07).

Ora, Dantas é conhecido por jogar pesado em seus negócios empresarias. Fora da cadeia, terá, sim, maior desenvoltura para, eventualmente, eliminar evidências e provas. A tentativa de subornar um delegado federal exemplifica o que Dantas é capaz de fazer em liberdade.

Na operação Satiagraha, a PF recolheu vasto material em suas buscas e apreensões. Esses dados estão sob análise. Teria sido prudente aguardar mais uns dias. Inteligente e nada ingênuo, Gilmar Mendes teria ajudado as investigações se segurasse o banqueiro mais um pouco.

Ingredientes políticos, como a reação da sociedade a casos rumorosos, têm influenciado decisões recentes decisões do Supremo. Foi assim no recente julgamento sobre a denúncia do mensalão, que o tribunal acatou após trocas de opinião entre ministros de forma reservada. Havia então preocupação com a imagem do STF. No caso de Dantas, parece que Gilmar Mendes não pesou muito esse aspecto.

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"Espetacularização"

O partido do coração de Daniel Dantas era o PFL, hoje rebatizado de Democratas. Mas ele virou tucano e petista desde criancinha quando isso foi conveniente aos seus empreendimentos. Sempre existiu no Congresso uma bancada Daniel Dantas. E ele sempre buscou se aproximar dos poderosos de plantão.

A operação da PF que prendeu o banqueiro gerou uma onda de protestos no Congresso. Maldosos espalham que parte da gritaria é de quem tem medo de uma segunda fase da operação da PF. Nessa fase, deverão ser revelados nomes de políticos suspeitos de dar proteção ao esquema empresarial de Dantas.

O senador Tasso Jereissati (CE), ex-presidente do PSDB, disse o seguinte ao criticar a PF: "Corremos o risco de sermos mal interpretados pela imprensa, de parecermos estar defendendo tubarões".

Senador Tasso, fique tranqüilo. A imprensa jamais vai imaginar isso a respeito do senhor. Tampouco pensará o mesmo do senador Heráclito Fortes (DEM-PI).

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Oportunidade

O episódio Dantas é um oportunidade para investigar os corruptores. Os corruptos não existem sem eles.

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Novo capítulo

A PF e o Ministério Público já contavam com o histórico de vitórias de Daniel Dantas nas instâncias superiores da Justiça. Agora, a Justiça Federal decretou a prisão preventiva do banqueiro (até 30 dias). Gilmar Mendes revogara a prisão temporária (5 dias que poderiam ser estendidos a 10). A PF e o Ministério Público montaram estratégia para tentar segurar Dantas na cadeia o máximo possível. Nova batalha vai começar no Supremo.

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Outro caminho

Correção e adendo à nota acima. Pelos procedimentos jurídicos normais, os advogados de Dantas terão de apresentar um recurso ao TRF (Tribunal Regional Federal), segundo instância da Justiça Federal, e não ao Supremo. Motivo: a prisão preventiva foi decretada devido "a um fundamento, um fato", diz um jurista. Não se trata de uma disputa sobre princípios constitucionais do direito, mas de um testemunho de que Dantas articulou uma tentativa de suborno de um delegado federal.

Na previsão de um jurista, é pequena a chance de uma liminar rápida e favorável a Dantas no TRF. A tendência é ele ficar mais tempo na cadeia. A estratégia jurídica da PF e do Ministério Público parece competente.

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Mais um round

Um advogado de primeiríssimo time de São Paulo diz, reservadamente, que Gilmar Mendes suprimiu duas instâncias do Judiciário ao soltar de novo Daniel Dantas. Segundo ele, a defesa do banqueiro teria de recorrer antes ao TRF (Tribunal Regional Federal) e ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) para revogar a prisão preventiva.
Na opinião desse advogado, Gilmar Mendes extrapolou e e está comprando uma briga ainda maior com a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a primeira instância da Justiça Federal. Com ampla experiência em Brasília, esse advogado acha que o presidente do STF transformou em causa pessoal um assunto que deveria tratar de forma institucional.
A conferir nos próximos rounds.

Kennedy Alencar colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

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