Pensata

Kennedy Alencar

03/10/2008

Teste maquiavélico

Atribuir os êxitos do governo à sorte do presidente da República era uma das críticas da oposição que mais incomodavam Luiz Inácio Lula da Silva. A crítica embutia a insinuação de que Lula seria um redondo fracasso se não tivesse a ajuda da sorte.

Com o tempo, o petista resolveu assumir a fama de sortudo. E inverteu a crítica. Passou a dizer: "Ainda bem que o Brasil tem um presidente com sorte e não um pé frio". É uma forma de tirar uma lasquinha em FHC.

PSDB e DEM sempre lembraram que o tucano Fernando Henrique Cardoso, antecessor de Lula, tivera o azar de enfrentar inúmeras crises internacionais. E Lula só pegava vento a favor na economia mundial.

Pois bem. Lula está enfrentando uma baita crise. Ela já dura um ano, mas teve seu ápice nas últimas semanas. Tem gente de respeito aqui dentro e lá fora ac hando que a crise ainda pode piora r. E tem gente de respeito aqui dentro e lá fora achando que o Brasil tende a aguentar o tranco relativamente bem.

De agora em diante, não será mais uma questão de sorte ou azar o sucesso econômico do governo. Se tomar as medidas acertadas, Lula poderá aproveitar vantagens reais que a economia tem hoje e não tinha no passado. Se adotar as medidas erradas, o presidente poderá agravar o quadro econômico doméstico. O grau de sofrimento do Brasil dependerá de decisões do petista.

Isso explica a cautela de Lula. O governo não quer mexer no leme de forma drástica. Prefere aguardar o desenrolar dos acontecimentos nos EUA (a votação do pacote pelos deputados americanos e o efeito sobre os mercados na próxima semana).
Internamente, o que há de mais relevante no momento é uma forte pressão do Palácio do Planalto e do Ministério da Fazenda para evitar que o Banco Central continue a subir os juros, que estão ho je em 13,75% ao ano (taxa Selic). Ok. É um debate pertinente.

Mas o governo deveria se preocupar mais com os gastos públicos. As despesas da máquina cresceram no segundo mandato na comparação com o primeiro termo do petista. Como a arrecadação de impostos bombou, na esteira de dois anos de forte crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), o governo tem folga para fechar as contas públicas neste ano. No entanto, se o ritmo de crescimento do PIB cair, como tudo indica que acontecerá, a arrecadação de impostos também cairá. E despesas públicas permanentes criadas por Lula precisarão ser pagas.

É uma boa hora para Lula dar prova de que tem o socorro da fortuna e da virtude no exercício do poder --os dois requisitos principais dos bons governantes, como já ensinava cinco séculos atrás o florentino Nicolau Maquiavel.

Kennedy Alencar colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

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