Pensata

Kennedy Alencar

30/09/2009

Rio merece mais que Olimpíadas

Se concretizada, será uma excelente notícia a escolha do Rio de Janeiro para sediar as Olimpíadas de 2016. Todos os brasileiros devem torcer para que a cidade realize o principal evento esportivo planetário. No entanto, é bom tomar cuidado com a mistificação e o oba-oba de políticos, empresários e intelectuais que foram a Copenhague, na Dinamarca, fazer boca-de-urna no Comitê Olímpico Internacional. A decisão do COI sai nesta sexta-feira (02/10).

As Olimpíadas não salvarão o Rio, que, aliás, não precisa ser salvo. Precisa resolver graves problemas sociais. Precisa se desenvolver mais economicamente, como todo o Brasil também precisa.

Em menor dose, os Jogos Pan-americanos de 2007 foram vendidos como a solução de boa parte das mazelas cariocas. Por um tempo, a cidade se tornou mais limpa, mais segura e até mais embelezada. Mas a melhoria de equipamentos urbanos e esportivos foi passageira. O Pan deixou uma herança pífia.

O que o Rio necessita é de uma elite política, empresarial e intelectual que esteja à altura da cidade maravilhosa. Precisa de uma elite que tenha pelo menos o egoísmo astuto de melhorar o lugar em que viverão seus filhos e netos. Precisa de uma elite que não veja críticas ao Rio como manifestação de ódio à cidade. Precisa de um elite com capacidade de liderar um projeto estratégico.

É incrível como qualquer crítica ou notícia negativa sobre a cidade é logo tachada de 'campanha contra o Rio'. Rapidamente, alguém saca: 'Você é contra o Rio'.

Nesta semana, as notícias na imprensa internacional sobre a presença do crime organizado nas áreas pobres e a ausência do Estado nos mesmos locais foi subitamente interpretada como guerrilha contra a escolha do Rio na disputa pelas Olimpíadas.

Bobagem. Não adianta brigar com a realidade nem tapar o sol com a peneira. Mas certa elite política, empresarial e intelectual adora se escudar nesse tipo de argumentação. Prefere fugir dos problemas concretos da cidade. Prefere culpar os pobres e murar as favelas.

Recentemente, o governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ) perdeu uma excelente oportunidade de liderar uma discussão de alto nível sobre os royalties que deverão ser cobrados da indústria do petróleo na exploração do pré-sal. Abrigou-se rapidamente na desculpa esfarrapada de que uma regra com distribuição mais uniforme do ponto de vista federativo era ideia de inimigos do Rio.

O presidente Lula está dando à decisão do Comitê Olímpico uma importância que pode resultar em frustração. Transformar essa questão num Fla-Flu internacional é bom apenas para deixar os políticos bem na foto.

Num passado não tão distante, certa elite política fez aliança com o narcotráfico. Uma turma da elite cultural deu gás a teses furadas de demonização dos pobres. E certos empresários mantiveram o hábito de se pendurar em favores do Estado para anabolizar lucros privados.

Muito bacana batalhar para sediar as Olimpíadas e a final da Copa do Mundo de 2014. Eventos esporádicos e charmosos desse porte funcionam como reconhecimento à maior importância que o Brasil vem conquistando globalmente.

No entanto, há debates mais importantes para o Rio. A cidade tem a oportunidade de virar a capital do pré-sal, concentrando as principais empresas e decisões da exploração dessa enorme riqueza. É imenso o potencial do pré-sal para melhorar a cidade e o Estado do Rio.

A cidade tem de discutir como transformar a cultura da violência em uma cultura da paz. Problematizar numa novela global o fenômeno dos pitboys, das gangues de jiu jitsu e da moça encantada pelo bandido faz mais bem ao Rio do que patriotadas olímpicas que renderão dinheiro para alguns gatos pingados.

Enfim, o Rio merece a final da Copa, merece as Olimpíadas e merece muito mais: uma elite generosa e, sobretudo, inteligente.

Kennedy Alencar colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

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