Pensata

Kennedy Alencar

24/10/2009

Lula e os fariseus

Num país cristão e conservador, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou uma expressão inadequada para retratar uma realidade. Disse que seu sucessor teria de fazer alianças políticas conservadoras para governar.

Assim falou Lula: "Quem vier para cá não montará governo fora da realidade política. Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão".

Jornalisticamente, a frase é muito boa. Forte e de uma clareza ímpar em relação ao que Lula pensa. Enxergar nela ofensa religiosa é exagero. Teve até comunista mostrando inusitada indignação religiosa. Chegou a ser engraçado, farisaico até.

É incontestável a melhora crescente de nossa política desde a redemocratização, em 1985. Mas ela ainda tem vícios graves.

Certamente, o maior deles não é a necessidade de fazer alianças esdrúxulas. Isso é ruim. E o PT paga um preço adicional por ter rasgado princípios éticos de sua fundação em nome do realismo político. Isso merece e deve ser cobrado de Lula e do PT.

No entanto, o maior dos males em nossa política é o financiamento das campanhas eleitorais. Foi montada uma engrenagem que dá vantagem a candidatos sem compromissos com os eleitores, mas apenas com os financiadores que cobrarão a fatura adiante.

O atual modelo de financiamento privado caducou. O financiamento público merecia ser examinado sem preconceito. Poderia até ser permitida a continuidade de algum financiamento de origem privado, mas com limite bem baixo. Outra ideia é levar as grandes empresas a contribuir para um fundo público, que seria distribuído de acordo com o peso de cada partido na última eleição _mais ou menos como se dividem hoje os recursos do fundo partidário e o tempo de rádio e TV no horário eleitoral gratuito.

Mas esse debate não avança. Reforma política virou palavrão por diversos motivos. É uma expressão genérica usada pelos bem e os mal-intencionados. Há muito debate sobre quais projetos deveriam compor o pacote. Definido o pacote, descer aos detalhes, onde reside o Diabo. Opinão: o país não vai melhorar o seu sistema político sem essa reforma.

Pelo peso que tem, o presidente da República deve ser cobrado a tentar tirá-la do papel. Mas não é responsabilidade apenas de Lula. A imprensa tem sua parcela de culpa. Na maioria das vezes, ridiculariza a proposta de reforma ou sentencia que uma nova articulação para aprová-la tenderá novamente a dar em nada. A imprensa deveria fazer uma campanha pela reforma.

Os dois principais partidos do país, PT e PSDB, estão divididos em relação a pontos cruciais, como a eventual criação de uma sistema distrital misto e a lista partidária. O grande bloco governista empurra com a barriga. A atual oposição, que já foi poder por oito anos, faz o mesmo.

Na entrevista à Folha, publicada na quinta-feira 22/10, o presidente Lula teve o mérito de não se comportar como fariseu. Constatou uma triste realidade do sistema político e discorreu com franqueza sobre câmbio, juros, poupança, crise econômica, interferência do Estado na iniciativa privada, imprensa, futebol etc.

A entrevista retrata um presidente maduro e explica por que ele faz um governo bem avaliado e aprovado pela maioria da população. Lula se expôs com sinceridade e clareza de pensamento, algo incomum em entrevistas desse tipo. O petista não se escondeu. O governador de São Paulo, José Serra (PSDB-SP), tem razão. A entrevista mostrou bem quem Lula é. E a fotografia saiu mais positiva do que negativa, apesar dos fariseus.

Kennedy Alencar colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

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