Pensata

Luiz Caversan

14/09/2007

Tristeza não tem fim

da Folha Online

Tristeza não tem fim/ Felicidade sim

(primeiros versos na música, "A Felicidade", 1959, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes)

Nascemos para perseguir a borboleta de asas de fogo. Se não a pegamos, seremos infelizes, e se a pegamos, lá se nos queimam as mãos.

(Monteiro Lobato em "A Barca de Gleyre, citado por Roberto Freyre em "Eu é o Outro)

Tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor

("A Flor e O Espinho", 1957, de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito)

Bom dia tristeza
Que tarde tristeza
Você veio hoje me ver
Já estava ficando até meio triste
De estar tanto tempo longe de você
Se chegue tristeza
Se sente comigo
Aqui nesta mesa de bar
Beba do meu copo
Me dê o seu ombro
Que é para eu chorar
Chorar de tristeza
Tristeza de amar

("Bom Dia Tristeza", 1957, de Vinícius de Moraes e Adoniran Barbosa )

E aí, você está triste, com depressão ou é apenas inspiração que leva a um verso triste de amor?

Ou todas as alternativas anteriores?

Ou nenhuma delas, posto que escrever sobre a tristeza cala tão fundo na alma humana que se tornou recurso recorrente da prosa ou da poesia fáceis?

O fato é que existe mesmo uma discussão cada vez mais momentosa sobre os limites da tristeza como condição humana comezinha, ela como recurso poético ou de fato sendo o fruto de um distúrbio mental --ou mais corretamente falando, um transtorno afetivo.

Na semana passada, mais lenha foi colocada na fogueira de fumaça negra que envolve a mente humana triste, melancólica, deprimida ou quetais.

A entrevista de um especialista americano na revista "Época" retomou a discussão sobre os limites transgredidos por certa tendência médica, propensa a incluir sintomas nem sempre definitivos entre os que caracterizam a depressão, e assim partir para a medicação de um doente-que-estaria-apenas triste.

O nome do recém lançado livro do sociólogo Allan Horwitz é bem sugestivo: ''A Perda da Tristeza: como a Psiquiatria Transformou a Tristeza Comum em Desordem Depressiva''. Estará em breve entre nós, o que permitirá uma abordagem mais profunda.

A própria Folha, em sua edição de sábado passado trouxe outra informação concernente ao tema. Eis o texto: A depressão representa um mal à saúde das pessoas superior ao causado por doenças como angina, artrite, asma e diabetes. Essa é a principal conclusão de um estudo feito pelo cientista Saba Moussavi, da OMS (Organização Mundial da Saúde), realizado em 60 países com base em casos de mais de 245 mil pessoas e divulgado pelo periódico "The Lancet". Em uma escala de 0 a 100 (sendo 0 a pior qualidade de saúde), pessoas depressivas tiveram média de 72,9, enquanto asmáticos, por exemplo, tiveram 80,3.

Por fim, temos outro estudo internacional informando que nada menos que 3 mil pessoas cometem suicídio diariamente em todo o mundo, em texto que relembra o seguinte: no ano passado, uma importante pesquisa demonstrou que o fator que mais predispõe ao suicídio é a depressão. A amenizar este último dado, a informação de que outros motivos levam as pessoas a pôr fim à própria vida, entre eles "vizinhos" da depressão, como o transtorno bipolar ou ainda o abuso de drogas e álcool, a esquizofrenia, antecedentes familiares ou uma saúde física frágil. Difícil inferir quantas dessas pessoas que se matam a cada 30 segundos estariam de fato sofrendo de depressão, podendo de fato assim serem diagnosticadas. De qualquer maneira, a íntegra da reportagem sobre o tema pode ser lida aqui.

Tristeza nem sempre é depressão, embora todo deprimido seja triste, mas nem todo, aliás, muito poucos deprimidos, no contexto dos 121 milhões estimados pela OMS, se matam.

Os diagnósticos, no meio desse emaranhado de dados e de possibilidades, que se acentuam nas chamadas vicissitudes da vida moderna, estão, portanto, a exigir cada vez mais cuidado. Médicos precisam ser menos ligeiros em suas avaliações, assim como pacientes devem ser, desculpem o trocadilho, pacientes mesmo na avaliação dos seus males e de suas dores e nos cuidados que podem tomar para melhorar a qualidade das suas vidas e a de seus familiares.

Afinal uma tristeza que aparentemente não tem fim, pode ser apenas uma dor-de-cotovelo.

Em vez de Prozac, talvez precise de um bom e novo amor.

Luiz Caversan é jornalista, produtor cultural e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos Cotidiano, Ilustrada e Dinheiro, entre outros. Escreve aos sábados para a Folha Online.

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